Tese sobre Fotojornalismo PG2

greenspun.com : LUSENET : PhotoArt Forum List : One Thread

Vale a pena salientar que a fotografia nasceu com carater puramente pictsrico. Para Arlindo Machado, isto se deve porque os primeiros fotsgrafos eram quase todos pintores: a cbmera ainda era um mecanismo sptico i complicado e ss dava imagens nmtidas e significativas se fosse manobrada por um perito em representagco visual. Pode-se comprovar este fato com dados atuais. Quando surgiu a TV, ninguim sabia como trabalhar com a linguagem desta nova imagem eletrtnica. Os primeiros profissionais contratados eram oriundos das emissoras de radio, do teatro e tambim do cinema, e este conflito de linguagens durou ati o momento em que se percebeu que a televisco possuma seu prsprio discurso visual, nco compatmvel com nenhuma outra forma de representagco vigente. No caso da fotografia, a questco inicial foi a mesma.

Numa ipoca em que as artes plasticas e a literatura passavam por uma sirie de mudangas com proclamagues e manifestos de diferentes "ismos", nasceu o pictorialismo na fotografia. Influenciado em uma parte, pelas tomadas de posigco, e em outra parte por estar a fotografia passando por um hiato, com a maioria dos profissionais se repetindo dentro dos mesmos moldes, sobretudo de ordem estitica. E, por outro lado, tambim para conquistar determinado prestmgio social, ja que a sua presenga na ipoca nco era vista com bons olhos.

Durante a I Exposigco do Impressionismo, em Paris/1880, George Davidson declarou que "a fotografia suave i mais bela em relagco a uma nmtida". (Gernsheim, 1967, p.130)

Tambim outros fotsgrafos nco se conformavam em ver a fotografia "apenas como um instrumento" para registrar a realidade.

Como nco se poderia obter os resultados desejados pela simples aplicagco dos processos tradicionais, comegam a se desenvolver, com os adeptos desse movimento, novas ticnicas baseadas numa grande variedade de recursos, principalmente qummicos. Alim desses recursos, utilizaram ainda outros mitodos, como pincel, espatula e borracha, na manipulagco dos negativos, com o propssito de alterar os valores tonais, suprimir ou acrescentar detalhes, intensificar claros e escuros, e assim por diante. As objetivas, por outro lado, foram reestudadas, com o intuito de se obter uma melhor qualidade de imagem e uma focalizagco mais suave.

Estes resultados passaram a descaracterizar a fotografia enquanto essjncia e a aproxima -la ainda mais da pintura, e por esse motivo,nco faltaram crmticas. Este movimento passou a ser acusado de utilizar mitodos que desvirtuaram a fotografia tradicional como meio de registro da realidade. E, ainda hoje, ha tesricos que afirmam ter o pictorialismo atrasado o desenvolvimento da fotografia. Mas, por outro lado, como sabemos, outros fotsgrafos, mais interessados na simples documentagco do cotidiano, deram continuidade a seus trabalhos sem a utilizagco destes artifmcios, como Paul Martins, Jacob Riis, Eugene Atget e tantos outros, que determinaram as bases da fotografia moderna.

Contudo, o ponto mais simples desta questco, que nco foi observado nem pelos artistas e muito menos pelos pintores desta ipoca, merece ser retomado. Antes da fotografia ser classificada como "instrumento de registro da realidade", a cbmera escura e mais tarde a sua sucessora natural, a cbmera fotografica, ja havia alterado radicalmente as representagues visuais tradicionais, atravis de mudangas nas perspectivas, dos cortes abruptos (presentes nas obras de muitos pintores do permodo renascentista como Michelangelo, Rubens e Murillo), da fiel transcrigco do eixo sptico da objetiva.

Mas ainda no tempo da daguerreotipia, segundo Alice Brill, o pintor Paul Delaroche perguntado a respeito do valor da fotografia para o artista, respondeu: "Esse processo satisfaz plenamente todas as necessidades do artista -" (Brill, 1977, p.3) . Nessa ipoca, conforme ja exposto, os retratos fotograficos eram mera versco do retrato pintado, de "tendjncia acadjmica". Ainda nco se havia permitido ` fotografia, como hoje se permite ` televisco, ter uma "vida prspria", e tal postura era estimulada em fungco do grande tamanho dos equipamentos, que dificultava a mobilidade do fotsgrafo, aliado a baixmssima sensibilidade dos primeiros filmes. No entanto, com a superagco desse "pretexto", a evolugco ticnica dos meios fotograficos, acompanhada pelas pesquisas de objetos e seres vivos em movimento,permitiu ` fotografia conquistar progressivamente seus meios especmficos de expressco. Percebe-se entco, que a possibilidade de registrar o instantbneo, em fragues de segundo, contribuiu diretamente para a arte do retrato, como testemunham os trabalhos de Man Ray, Werner Bischof, August Sander e outros, que tambim ajudaram a incorpora - la na indzstria cultural emergente.

A necessidade de ruptura com a visco estitica do mundo, como forma de emancipagco da linguagem fotografica, associada ` renovagco tematica, gerada em grande parte pela introdugco da fotografia na imprensa, e a empatia por problemas sociais e humanitarios do mercado leitor, abriu caminho para se considerar a maquina fotografica como uma extensco do prsprio olho. Segundo disse o classico Henri Cartier Bresson, "De todos os modos de expressco, a fotografia i o znico que fixa para sempre o instante preciso e transitsrio. Nss, fotsgrafos, lidamos com coisas que estco continuamente desaparecendo, e uma vez desaparecidas, nco ha nenhum esforgo sobre a terra que possa faze-las voltar" (Bresson,1971,p.20). Este sempre defendeu a idiia de que nco se pode revelar ou copiar uma memsria. E a ilustrava com analogias do tipo "o escritor dispue de tempo para refletir. Pode aceitar e rejeitar, tornar a aceitar: e antes de fixar seus pensamentos no papel, pode unir e associar varios elementos relevantes. Existe tambim um permodo em que seu cirebro 'se esquece' e o subconsciente trabalha na classificagco de seus pensamentos". Mas Bresson concluma que, para "os fotsgrafos, o que passou, passou para sempre" (Bloch Comunicagco n.6, s/d, p.20). Sua intengco, presente em cada imagem produzida, foi de surpreender e fixar os momentos cruciais da vida humana, caracterizada por um discurso visual poitico, novo, onde o valor informativo i complementado pelo estitico, revelando a sua pontencialidade de criar nova sintaxe, prspria da fotografia.

O fotsgrafo ingljs Bill Brandt, cuja obra, no princmpio, tambim seguiu o caminho do documentario humanista, logo se definiu por um estilo mais intimista, prsximo do surrealismo. Em sua opinico nem sempre o fotsgrafo i a testemunha imparcial dos acontecimentos que registra quando afirma: " k `s vezes, sinto ja ter estado em determinado lugar antigamente, e que preciso tentar recaptar as minhas recordagues". (Brill, 1977, p.4) O fotsgrafo, neste caso, desprende-se da realidade dos fatos, deixa-se guiar pela sua memsria, aguardando o tempo, o dia, a hora exata do dia ou da noite, para reencontrar um momento perdido na obscuridade: a imagem fotografica que ss ele mesmo sabe encontrar.

A emancipagco da fotografia como linguagem ocorre no momento em que esta deixa de ser mero instrumento de registro da verossimilhanga e passa a ser um meio para que o fotsgrafo ou mesmo o produtor da imagem ticnica exteriorize de maneira clara e objetiva a sua real visco de mundo e de si mesmo.

Mas, retomando o eixo deste trabalho, nco i difmcil notar que em pleno advento da fotografia, nos meados do siculo passado, os movimentos artmsticos estavam no auge do realismo, tendjncia sincronizada com a emergente ideologia da revolugco industrial. Nesse contexto, o reconhecimento do autor era determinado nco pela sua capacidade de interpretagco, mas sim pela fiel reprodugco da verossimilhanga de sua obra.

A fotografia traz consigo a aura da veracidade e seu surgimento contribuiu diretamente para que todos os segmentos artmsticos, literarios e intelectuais passassem por uma profunda reflexco, evidenciando um dado importante que ati aquele momento permanecera intacto: a concepgco que o homem tinha de si prsprio.

A smntese visual da perspectiva renascentista, essjncia do discurso da burguesia mercantilista, que teve como porta-vozes Descartes e Bacon, foi tambim incorporada pela emergente ordem industrial, estando presente em todos os segmentos da sociedade desta ipoca. Assim, a fotografia livra o brago humano para que este possa, a partir de agora, carregar um peso ainda maior: emergem as questues eternas sobre a condigco humana, as crises de identidade, e outras mais complexas.

Em smntese, o discurso pictsrico ja fazia parte dos valores estiticos desta sociedade, sendo acessmvel e de facil compreensco por todos. Apesar de trabalhoso, o ritual ticnico fotografico era bastante simples, podendo ser manipulado por qualquer interessado, o que o tornou muito popular desde o inmcio. O pictorialismo e outros movimentos artmsticos semelhantes nco foram nada mais do que tentativas de algumas elites progressistas em resgatar o prestmgio que a fotografia havia perdido em decorrjncia da sua popularidade.

Enquanto a Europa deste permodo passava por uma profunda revolugco artmstica, intelectual e mesmo humanmstica, no Brasil o invento de Daguerre foi recebido com outra conotagco.

Poucos meses se passaram daquela tarde de 19 de agosto de 1839, para que a fotografia chegasse ao Rio de Janeiro em 16.01.1840, trazida por Abade Compte, de posse de todo o material necessario para a tomada de varios daguerrestipos, conforme ilustra o Jornal do Commircio deste permodo:

" I preciso ter visto a cousa com os seus prsprios olhos para se fazer idiia da rapidez e do resultado da operagco. Em menos de 9 minutos, o chafariz do Largo do Pago, a Pga. do Peixe e todos os objetos circunstantes se achavam reproduzidos com tal fidelidade, precisco e minuciosidade, que bem se via que a cousa tinha sido feita pela mco da natureza, e quase sem a intervengco do artista." (Jornal do Commircio, 17.01.1840,p.2)

Afastados geograficamente das metrspoles, o estagio de desenvolvimento do pams era bem inferior `queles das metrspoles europiias. As novidades aqui eram muito bem recebidas, tornando- se moda num prazo bem curto de tempo. Os debates na Europa em relagco validade ou nco da fotografia enquanto manifestagco artmstica, comparada ` pintura, nco encontrariam espago no Brasil durante as primeiras dicadas. A sociedade brasileira do permodo do Impirio estava mais preocupada em se deixar fotografar do que em refletir sobre os aspectos artmsticos e culturais do novo invento.

O Brasil desta ipoca, agrario e escravocrata, tinha a sua economia voltada para a cultura do cafi , visando exclusivamente o mercado externo e dependendo dele para importagues de outros produtos. A sociedade dominante ainda cultuava padrues e valores estiticos arcaicos, puramente acadjmicos, ja ultrapassados em seus pamses de origem, que ss seriam questionados e combatidos com a Semana de Arte Moderna de 1922. Os Senhores do Cafi e a sociedade como um todo, tinham uma visco de mundo infinitamente estreita e ss poderiam receber a fotografia como magica divertida, mais uma invengco europiia maluca.

Os historiadores, cada um a seu modo, refletiram sobre a disparidade entre a sociedade brasileira escravista e as idiias do liberalismo europeu. Em smntese, estava em cena a comidia ideolsgica, diferente,i claro, da europiia. i notsrio que a liberdade do trabalho, a igualdade perante a Lei e, de modo geral, a ideologia liberal nada mais era do que mera aparjncia para mascarar o essencial - a exploragco do trabalho. A Declaragco dos Direitos do Homem, transcrita em parte na Constituigco Brasileira de 1824, nco ss nada escondia, como tornava mais abjeto o instituto da escravidco. A mesma coisa para a professada universalidade dos princmpios, que transformava em escbndalo a pratica geral do favor. Que valiam, nestas circunstbncias, as grandes abstragues burguesas que se usavam tanto? Estas nco descreviam a existjncia, - mas nem somente disso dependem a sobrevivjncia das idiias. Trazidas de pamses distantes, a nossa forma de vida, as nossas instituigues e nossa visco de mundo se chocava com o ambiente muitas vezes desfavoraveis e hostis. Num certo sentido, iramos desterrados em nossa terra. Essa impropriedade de nosso pensamento, que nco era obra do acaso, foi de fato uma precessora assmdua, atravessando e desequilibrando, ati no detalhe, a vida ideolsgica do Segundo Reinado. Frequentemente inflada, ou rasteira, ridmcula ou crua, e ss raramente justa no tom, a produgco cultural desse permodo e particularmente a fotografica, sco algumas das muitas testemunhas das contradigues entre o velho e o novo mundo.

Apesar de lugar-comum em nossa historiografia, as razues desse quadro foram pouco estudadas em seus efeitos. O brasil era como ja se disse, um pams agrario e independente, dividido em latifzndios, cuja produgco dependia, por um lado, do trabalho escravo, e por outro, do mercado externo. Era inevitavel, assim, a presenga do raciocmnio econtmico burgujs - a prioridade do lucro, com seus corolarios, ja que este era o discurso dominante no comircio internacional, para onde a nossa economia estava voltada.

A pratica permanente das transagues escolava, neste sentido, quando menos, uma minoria privilegiada. Alim do que, a Independjcia havia sido ha pouco, em nome de idiias francesas, inglesas e norte-americanas, variavelmente liberais, que assim passaram a fazer parte de nossa identidade nacional.

Por outro lado, com igual fatalidade, este conjunto ideolsgico iria chocar-se contra a escravidco e seus defensores. A incompatibilidade era clara. Ela se fazia sentir tanto no terreno das convicgues como na Pratica. Sendo uma propriedade, um escravo podia ser vendido, mas nco despedido. Sob este aspecto, o trabalhador livre permitia mais liberdade a seu patrco, alim de imobilizar menos capital, o que refletia um entre varios outros mndices da oposigco da escravatura ` racionalizagco produtiva. Fundada na violjncia e na disciplina militar, a produgco escravista dependia da autoridade, mais do que da eficacia. O estudo racional do processo produtivo, assim como a sua modernizagco continuada, com todo o prestmgio que lhes advinha da revolugco que ocasionavam na Europa, eram sem propssito no Brasil. E, para tornar ainda mais complexo o assunto, considere- se que o latifzndio escravista havia sido na origem um empreendimento do capital comercial, e portanto, o lucro sempre foi a essjncia do seu estmmulo. O lucro como prioridade subjetiva i comum tanto `s formas antiquadas de acumulagco do capital como `s mais modernas. De sorte que os escravistas ati certa data - quando esta forma de produgco veio a ser menos rentavel que o trabalho assalariado - foram no essencial capitalistas mais consequentes do que os defensores de Adam Smith, que, no capitalismo, antes que tudo preservavam a liberdade. Estava, assim, armado o ns para a vida intelectual. Em matiria de racionalidade, os papiis se embaralhavam e trocavam normalmente: a cijncia era fantasia e moral, o obscurantismo, realismo e responsabilidade; a ticnica nco era pratica, o altrumsmo inplantava a mais valia e assim por diante. E, de maneira geral, na ausjncia do interesse organizado da escravidco, o confronto entre humanidade e inumanidade, por justo que fosse, acabava encontrando uma tradugco mais rasteira no conflito entre dois modos de empregar os capitais.

Por mais paradoxal que seja, foi justamente dentro desse cenario que o Brasil disparava na frente das grandes metrspoles europiias, descobrindo a fotografia no interior do Estado de Sco Paulo, em 15 de agosto de 1832.

A quase inexistjncia de recursos para impressco grafica daquela ipoca, levou Hercules Romuald Florence, desenhista francjs, radicado no Brasil, a realizar pesquisas para encontrar fsrmulas alternativas de impressco por meio da luz solar.

Durante a dicada de 30, Florence deu sentido pratico ` sua descoberta: imprimia fotograficamente diplomas magtnicos, rstulos de medicamentos, bem como fotografara ("Florence passaria a utilizar o termo 'photographie', como tmtulo de sua invengco, desde 1832, isto i , cinco anos antes do ingljs John Herschel, a quem a histsria sempre atribuiu o mirito de haver criado o vocabulo" - Kossoy, 1975, p.2) alguns aspectos de sua cidade, Vila de Sco Carlos, atual Campinas, cujos exemplares existem ati hoje. Sua contribuigco, entretanto, ss ficou sendo conhecida pelos habitantes de sua cidade, e por algumas pessoas em Sco Paulo e Rio de Janeiro, nco surtindo, na ipoca, qualquer outro tipo de efeito.

B) Origens da Ilustragco Mecanizada

Os povos do antigo Oriente Midio produziam gravuras em cerbmica cozida, ou em pedra, obedecendo a um princmpio estitico ja culturalmente constitumdo, que permitia narrar as diversas atividades de sua civilizagco e estrutura de poder. Os gregos exploraram somente dois processos de reprodugco ticnica de suas obras de arte: a fundigco e o relevo por impressco. Nas civilizagues que se sucederam, somente os bronzes e as moedas circulantes foram reproduzidas em sirie, ati que os chineses, por volta do siculo VI, surgissem com a xilogravura. Na Renascenga, as grandes navegagues ja eram orientadas com desenhos e mapas obtidos a partir de matrizes xilograficas. Pequenos blocos de madeira trabalhados em relevo comegavam a servir de ilustragco para a prensa que imprimia os primeiros livros.

A fotografia nasceu das tentativas de aperfeigoamento deste mitodo de impressco, pois a confecgco de sua matriz, alim de ser muito lenta, necessitava de um trabalho artesanal bastante especializado. Tanto Joseph Niciphore Niipce, o inventor da fotografia na Franga em 1826, cujas pesquisas seriam melhoradas e comercializadas por Louis Daguerre, em 1839, quanto nosso precursor Hercules Florence, trabalhavam no aprimoramento de sistemas de impressco quando pensaram em unificar dois fentmenos previamente conhecidos, um de ordem fmsica - a cbmera obscura renascentista - e outro, de ordem qummica - a caractermstica fotossensmvel dos sais de prata, comprovada pelo professor de medicina da Universidade de Aldorf, Alemanha: Johann Heinrich Schulze (1725).

-- Enio Leite (focus@focusfoto.com.br), February 19, 2000


Moderation questions? read the FAQ