Tese sobre Fotojornalismo PG6

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Capmtulo IV

A FOTOGRAFIA DE IMPRENSA E A CRISES POL f TICA

A Credibilidade e Suporte Social

O advento da fotografia esta profundamente atrelado ao processo histsrico de emancipagco da burguesia europiia, viabilizando a democratizagco das riquezas artmsticas e culturais, cuja posse estava acumulada ha miljnios nas mcos de uma minoria privilegiada. Se, por um lado, o papel da fotografia foi decisivo para ampliar os horizontes das classes emergentes, abrindo uma janela para o mundo, nco tardou muito para que esta mesma burguesia se apropriasse desse novo meio de expressco e o convertesse em um poderoso instrumento de dominagco e manipulagco, entregue ao usofruto das classes economicamente dominantes, governos e partidos polmticos na eterna disputa do poder.

Mais do que qualquer outro meio, a fotografia consegue viabilizar os desejos e as necessidades das camadas sociais dominantes, e interpretar, a seu modo, todos os acontecimentos da vida social. A objetiva fotografica, instrumento aparentemente imparcial, possui a inerente capacidade de refletir e refratar, permitindo, assim, todas as deformagues possmveis da realidade, ja que o carater da imagem i determinado pelo modo de ver do seu operador em sintonia com a ideologia do orgco que as veicula.

Nesse contexto, a fotografia se define como um tmpico meio de expressco de sua sociedade tecnocrata, consciente dos objetivos a que aspira, de mentalidade racionalista pss cartesiana e fundamentada em uma hierarquia de profissues que regem os mais variados nmveis da atividade econtmica.

Se a fotografia foi o primeiro tijolo responsavel pela edificagco da Indzstria Cultural, hoje ela sintetiza a linguagem mais fluente da prspria modernidade.

Mas, vejamos como este "modismo aparente" trazido por Abade Compte foi absorvido e incorporado pela sociedade brasileira.

A fotografia, desde o seu inmcio, encontrou grande aceitagco nco ss pela sociedade imperial como tambim pelo prsprio D. Pedro II. Ja que o Brasil nco oferecia as barreiras ou preconceitos em relagco ` validade artmstica da fotografia que eferveciam nas grandes metrspoles europiias daquela ipoca, o seu consumo tornou- se imediato e a expansco foi ligeira por todas as importantes provmncias do pams. A novidade, trazida por estrangeiros, foi tambim por eles explorada durante o siculo XIX, com poucas excegues dos profissionais brasileiros, dado `s prsprias sofisticagues ticnicas desse novo instrumento. O "portrait" representava a atividade mais procurada e justificava o crscimento cada vez maior de "estzdios fotograficos" nas capitais de Sco Paulo e Rio de Janeiro. Muitos dos fotsgrafos estrangeiros que vieram se estabelecer aqui, nco eram conhecidos em seus respectivos pamses de origem, o que nos leva a concluir que o mercado de trabalho na Europa e mesmo nos Estados Unidos, devido ` presenga de varios fotsgrafos norte-americanos, era altamente competitivo.

A partir do final do siculo XIX este quadro comega a mudar e tende a acompanhar as transformagues polmticas ocorridas desde entco.

O regime polmtico no Brasil, ao longo de um siculo de histsria, foi caracterizado por alguns acontecimentos agudos e cruciais, como a implantagco da Repzblica em 1889, a reestruturagco do Estado, por meio do levante de 1930, a imposigco da ditadura do Estado Novo em 1937, a democratizagco de 1945, o golpe de Estado de 31 de margo de 1964, e a transigco democratica, iniciada com a morte de Tancredo Neves, deixando a posse da presidjncia para seu vice, Josi Sarney. Nestes momentos, a classe dominante sempre procurou reorganizar as formas de dominagco polmtica e de acumulagco de capital para fazer frente aos crescentes antagonismos sociais que se acumulavam, como tambim para impedir que as classes inferiores subvertessem a ordem vigente. Nesse sentido, a fotografia de imprensa foi aos poucos sendo utilizada como forma de controle social e, mais tarde, como forma de conquistar a credibilidade e suporte popular.

Estes momentos de crise na hist " ria nacional foram geralmente permeados e varias vezes antecipados por epissdios de menor repercussco, mas igualmente importantes, como a Revolugco Federalista no Rio Grande do Sul em 1892 a 1894, a Revolta Armada em 1893, os massacres de Canudos e Contestado em 1897 e 1916, o levante do Forte de Copacabana em 1922, a Revolugco Libertadora no Rio Grande do Sul em 1923, a Rebelico de Sco Paulo em 1924, a Coluna de Miguel Costa e Lums Carlos Prestes, a Revolta Constitucionalista de Sco Paulo em 1932, o levante da Alianga Nacional Libertadora em 1935, as tentativas de golpes de Estado em 1954 e 55, a crise polmtica de 1961, a crise de 1968, e outros epissdios de igual expressco.

No final da primeira dicada deste siculo, notadamente apss o tirmino da Primeira Grande Guerra, o regime oligarquico comega a apresentar sinais de ampla fraqueza e decadjncia. Varias problematicas emergem ` tona, transparecendo a crise do regime: articulagco das oposigues burguesas, manifestagues operarias, descontentamento das camadas intermediarias, insatisfagco nos meios militares - que sempre tiveram participagco decisiva, como autores ou mesmo atores, estiveram sempre no "front" dos acontecimentos, interferindo ativamente na vida polmtica, constituindo uma peculiaridade do processo histsrico brasileiro, desde o final do siculo XIX -, dissidjncias oligarquicas, crise econtmica e outros fatores de igual relevbncia.

Ja no inmcio deste siculo, a burguesia urbana comegou, vagarosamente, a articular-se em uma frente polmtica liberal, com o propssito de liquidar o poder impenetravel das oligarquias agrarias. Seu reformismo moderado iria manifestar-se por meio dos jornais O Estado de S. Paulo e o ja extinto Correio da Manhc, no Partido da Mocidade, na Liga do Voto Secreto, Liga Nacionalista, Campanha Civilista, e outras organizagues e movimentos de menor expressco.

As classes midias urbanas, como funcionarios pzblicos, profissionais liberais, comerciantes, jornalistas e intelectuais, e outros, apesar de distintas, tinham a tendjncia de se opor ao regime, nco ss pelo seu perfil excludente, como tambim pela sua polmtica econtmica que impunha a este segmento social, sacrifmcios razoaveis. Contudo, a "Repzblica desde ha muito tempo deixara de encarnar os sonhos de democracia e igualdade de tais setores. A partir da campanha civilista de Rui Barbosa em 1910..., a maioria das camadas midias dos grandes centros tendia a apoiar candidatos de oposigco, de maneira crescente". (Mendes Jr & Maranhco, s/d, p.335)

A classe operaria que estava em processo de formagco, no permodo de 1917 a 1920, passa a ter um avango significativo em suas lutas reivindicatsrias e um amadurecimento polmtico- ideolsgico proporcional. Presenciamos, nessa fase, um grande nzmero de greves, atingindo varias cidades e estados. Algumas atingiram proporgues consideraveis, convertendo-se em greves gerais, como a greve de julho de 1917, que paralisou toda a cidade de Sco Paulo.

Em resposta `s mobilizagues e ao avango do movimento operario, o regime oligarquico reage com repressco, fechando os sindicatos, empastelando os jornais operarios, expulsando estrangeiros e interpretando estes avan os sociais como "verdadeiros casos de polmcia".

Mas, para que a indzstria cultural pudesse ter todas as caractermsticas inerentes que lhe sco prsprias, seria necessario que o modo capitalista de produgco ja tivesse atingido determinado nmvel de amadurecimento, tanto no processo de concentragco e centralizagco do capital como no desenvolvimento tecnolsgico e financeiro, e mesmo na forma assumida pelas relagues sociais moldadas por um dommnio progressivo, sobre a estrutura da sociedade.

A situagco econtmica tornava-se crmtica e agravava-se cada vez mais com a polmtica de valorizagco do cafi. Ao dificit orgamentario, incorporava-se a queda das exportagues e dos pregos do respectivo produto no mercado internacional. Pressionado pelos interesses dos estados de Sco Paulo e Minas Gerais, o entco presidente Epitacio Pessoa iniciou, em 1921, a terceira operagco valorizadora, utilizando-se de empristimos externos e emissues. As emissues macigas entre o permodo de 1921 e 1923 foram responsaveis pela desvalorizagco do cbmbio e pela inflagco. O custo de vida nco ss dobrou nesse permodo, como foi um dos principais temas severamente criticados pelo movimento tenentista. A baixa oficialidade, mais notadamente os jovens tenentes, era sensmvel `s mudangas que se operavam na realidade nacional e tendia a rebelar-se contra o regime dominante. As principais agues polmticas dos militares seriam, desse momento em diante, desencadeadas pela oficialidade mais jovem e de baixa patente, o que, historicamente, se denominaria de "tenentista" em fungco do conjunto de seus movimentos.

Se, em 1922, o levante tenentista teve como mola propulsora a indignagco e o voluntarismo, em 1924 este ja passa a incorporar propostas reformistas e um planejamento mais esmerado. Seu objetivo imediato era o de substituir Artur Bernardes na presidjncia da Repzblica e, ao mesmo tempo, "republicanizar a Repzblica", ou seja, fazer o regime retroagir aos princmpios polmticos de 1889, avangar nos objetivos programaticos e apresentar em seus manifestos propostas reais de reformulagco do regime. O tenentismo, ao expor e reivindicar reformas e mudangas para a reestruturagco do Estado burgujs e da reorientagco do processo de acumulagco do capital e de desenvolvimento das forgas produtivas, apresentava-se, na dicada de 1920, como autjntica "vanguarda burguesa". E, nco era uma vanguarda qualquer, na medida em que detinha a forga militar; apresentava-se como "vanguarda armada da burguesia", esta, por outro lado, tmbia e incapaz, por caractermsticas prsprias, de estar ` frente desse processo. A pratica que o tenentismo utilizava e a concepgco que seguia - elitista excludente - era, ao mesmo tempo, reflexo, expressco e personificagco do processo histsrico republicano.

Esta pratica elitista, que excluma a participagco popular, prspria da postura republicana, tambim transparecia nas primeiras paginas da imprensa de prestmgio da ipoca, como era o caso de O Estado de S. Paulo, seguido pela Folha da Manhc, a partir da sua primeira edigco, nos meados da dicada de 1920. Apresentavam colunas densas, compostas unicamente com palavras, `s vezes quebradas, pela Folha, por uma ou outra fotografia da efmgie de personalidades polmticas ou militares, mas nunca com imagens do povo, ou mesmo de suas manifestagues populares (o znico momento em que isto ocorre i na edigco da Folha da Manhc, de 12.07.1932, com a publicagco da grande foto de primeira pagina, preenchendo o espago de cinco colunas, ilustrando o "movimento constitucionalizador").

Apesar de ter havido articulagues dos lmderes militares rebeldes com as bases operarias, durante a fase liminar do movimento, o comando revolucionario, iniciado `s vias de fato procurou manter o proletariado parte dos acontecimentos, excluindo qualquer participagco popular organizada. O medo da participagco popular resultava sobretudo da possibilidade de que, participando, os trabalhadores pudessem, a partir da insatisfagco existente, tornar-se "agentes capazes de interferir no desenvolvimento de um processo a ponto de alterar seu rumo". (Correa, 1976, p.57) Esta tambim era a preocupagco, pelo menos em parte, dos proprietarios dos jornais de elite em abrir espago para a veiculagco de fotos que conotassem a "participagco popular", com receio de perder o dommnio e o controle sobre ela e ao mesmo tempo ptr em risco o seu conceituado prestmgio e o poder de influjncia nas minorias dominantes da sociedade.

Na cidade de Sco Paulo, como em quase todos os pontos do mundo ocidental, a dicada de 1920 foi o apice de transformagues que iriam redefinir os costumes, a moral e toda a estrutura cotidiana de nosso siculo. A "Pauliciia Desvairada" se ingressava na modernidade, alterando constantemente sua paisagem urbana, ao ritmo da expansco industrial, tornando-se, em seguida, centro contagioso da febre de industrializagco. Desfrutava de uma complexa infra-estrutura ja desenvolvida pela expansco cafeeira, e das vicissitudes que a Primeira Grande Guerra impts ` dinbmica do mercado internacional.

Por detras da sedutmvel Belle Epoque, se ocultava uma dicotomia profunda, que marcava este permodo em Sco Paulo. No mesmo palco em que se encontravam as melindrosas e os almofadinhas que frequentavam os cafis, teatros e cinemas, contracenava o espanto de uma populagco que sofria a carestia do pss-guerra e se atropelava no meio de uma metrspole recim- fundada.

A Semana de Arte de 1922 trouxe embutidas as tendjncias do futurismo e outras influjncias europiias, e seu principal objetivo foi de demoligco. De fato, rompeu com velhos padrues arcaicos, puramente acadjmicos. Exterminador de mitos, transformador de "tabus em tstem", conforme definia o prsprio Oswald de Andrade, este movimento, com seus mmpetos futuristas e propostas de reformulagco cultural, era a mais cristalina transparjncia da modernidade paulista nos primeiros momentos da dicada de 1920.

No entanto, estas profundas transformagues somente seriam evidenciadas por completo, por meio da diagramagco e das fotos de primeira pagina, a partir de 1946, com a retomada democratica. Por enquanto, havia outras prioridades em pauta a serem solucionadas, como eliminar as resistjncias da aristocracia rural; dar continuidade substituigco de importagues e industrializagco de bens de consumo de primeira necessidade, iniciadas apss a crise de 1929; procurar formas de aliangas para a nova burguesia nacional emergente desse processo de industrializagco; desenvolver a indzstria de base para assegurar a estabilidade dessa mesma burguesia, independente da matiria prima; e adotar a "Carta de Lavoro" em 1934, que neutralizou qualquer tentativa de mobilizagco operaria, que sempre ameagou o complexo mais industrializado do pams, o eixo Rio-Sco Paulo. Estes foram os principais fatores que favoreceram a viabilidade do Estado Novo, e que tambim impediram a assimilagco imediata das contribuigues culturais e estiticas, geradas na dicada de 1920, inclusive pela imprensa. Os sucessivos momentos de crise faziam com que a sociedade artmstica e cultural continuasse apegada a valores e conceitos da nobreza europiia anterior ao permodo da Revolugco Francesa. O renascimento artmstico e cultural brasileiro seriam retomados a partir de 1945, com a queda de Vargas, com a vitsria dos aliados e com o processo de democratizagco. Nesse sentido, a nossa imprensa somente assimilaria por completo as novas propostas e mudangas estiticas, se elas contassem com o amplo consenso das elites pensantes da sociedade.

Apesar dos republicanos terem exclumdo todo e qualquer apoio popular organizado em seus movimentos, a partir de 1945, nenhum polmtico que tivesse a intengco de ser bem sucedido poderia ignora-la. E, assim, todas as tensues vividas pela sociedade brasileira, a partir desse permodo, ja estariam mediadas pela problematica da incorporagco polmtica dessas classes. Este processo de "incorporagco subordinada", iniciado pelo populismo, nco era visto com bons olhos por todos. A prspria oposigco liberal, que se formara para fazer frente contra o Estado Novo, que comegara, a partir de 1945, a fazer parte da UDN, nco aceitava este tipo de conduta em que " i preciso cortejar as massas". Com um ideario delimitado pelos horizontes da classe midia tradicional, embora a sua composigco nco se restringisse somente a ela, e com uma heranga de saudosismo dos tempos da Repzblica Velha, nco reconhecia a cidadania da camadas populares. Estas nco eram vistas como inimigas, mas sim como incapazes de tomar decisues sirias, como com relagco ` gestco do pams, por exemplo, e tambim como presas faceis da demagogia dos polmticos populistas.

Mesmo os setores mais intelectualizados da nossa sociedade, como Paulo Duarte, no editorial de sua Revista Anhembi, edigco de dezembro de 1950, refletia melhor esta concepgco: "no dia trjs de outubro, no Rio de Janeiro, era meio milhco de miseraveis, analfabetos, mendigos e andrajosos, espmritos recalcados e justamente ressentidos, indivmduos tornados pelo abandono em homens bogais, maus e vingativos, que desceram os morros embalados pela cantiga da demagogia berrada de janelas e automsveis, para votar na znica esperanga que lhes restava: naquele que se proclamava o pai dos pobres, o messias-charlatco". (Revista Anhembi)

Durante este processo, a UDN foi atraindo, cada vez mais, pessoas da alta burguesia, nco identificadas com o populismo, que reforgaram sua trajetsria para a direita, e foi expulsando, por outro lado, os poucos elementos do proletariado que tinha congregado em seu inmcio.

As duas tendjncias opostas, ja perceptmveis em 1945, marcadas por um grande antagonismo - o de um populismo que recorre ao apoio massivo das classes populares, que as utiliza como aliadas, mas que nco permite a sua emancipagco, ou mesmo a ambiguidade de um ex-ditador convertido em democrata ("lobo em pele de carneiro", conforme definia o espmrito da ipoca) e a de um antipopulismo liberal que se apresenta com "ares democraticos", mas tambim esta indelevelmente marcado pela heranga do espmrito democratico e que, ao enfrentar o populismo, torna-se cada vez mais subversivo e antipopular - "estas duas tendjncias obviamente nco esgotam o significado do permodo 45-64, mas sco fundamentais para nossos objetivos, pois sco elas que dco sentido ` histsria de Notmcias Populares e Zltima Hora". (Golgenstein, 1987, p.38)

Com a candidatura de Getzlio Vargas ` presidjncia da Repzblica ja estava inseminado o germe da imprensa popular que passaria a se apropriar da mensagem fotografica, utilizando-a como necessidade de conquistar ainda mais a credibilidade e suporte social.



-- Enio Leite (focus@focusfoto.com.br), February 19, 2000


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