Tese sobre Fotojornalismo PG7

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Capmtulo V

A FOTOGRAFIA E O POPULISMO

A) Morte de Getzlio Vargas

A fotografia de imprensa sempre esteve relacionada com os nmveis de informagco de facil leitura, que nco exigem do seu interlocutor uma bagagem intelectual, uma formagco mais diferenciada, uma postura mais crmtica perante os fatos. Essa era a cocepgco tmpica das elites privilegiadas que influenciam a formagco da opinico pzblica. O impacto da imagem, muitas vezes, choca o pzblico leitor, que, hipnotizado pela aura e mal informado dos eventos que o cercam, acredita que a fotografia veiculada, fragmento da realidade, ja a prspria verdade.

A fotografia, meio de expressco de origem sptica e fotoqummica, possui a natureza inata de refletir e refratar, permitindo, assim, todos os nmveis de deformagues possmveis da realidade a partir da concepgco ideolsgica de seu emissor: o prsprio orgco de imprensa, que seleciona e edita as imagens finais a serem publicadas.

O poder ilussrio da fotografia, que manipula os fatos em fungco de uma minoria dominante, muito utilizado pelos regimes polmticos mais radicais, tanto da direita, como da prspria esquerda, tambim seria apropriado pelo populismo, como pretexto para estar mais prsximo e sempre lado a lado da populagco.

As questues referentes ` leitura da fotografia, ou seja a necessidade de se ter o conhecimento da linguagem da imagem, ja que um dos motivos da fotografia nco transmitir para o pzblico leitor todas as informagues nela contidas seria o nco aprendizado da sua leitura (pois, conforme sabemos, um analfabeto nco lj jornal, mas pode ler parte do que i exibido em imagens) nco foram em nenhum momento consideradas pela Revolugco Russa ou Chinesa, ou pela czpula Nazi-Fascista, ou ainda pelos Aliados da Segunda Grande Guerra, e muito menos pelo populismo getulista, de onde as classes populares estavam exclumdas de qualquer processo, muito antes do advento da prspria Repzblica, e nco podiam esperar mais.

Embora nco exista prova ou testemunho concreto de que o presidente eleito, Getzlio Vargas, houvesse determinado a fundagco de Zltima Hora, ou sequer providenciado os recursos necessarios a seu langamento, este vemculo seria o melhor intirprete dos seus pensamentos. Samuel Wainer adulava Vargas, que lhe deu a idiia de fundar a Zltima Hora, em 1951, e fingiu desconhecer de que maneira o jornalista teria de levantar os recursos para que isso se concretizasse. Wainer, por sua vez, era adulado por aqueles que pretendiam fazer dele um ponto de partida para, um dia, adularem o prsprio Vargas. E, desta forma, se estabelecia o ciclo do trafico do agrado e do afeto. Entrento, extraordinaria forga popular desse jornal nco conseguiu evitar que Vargas desse um tiro no peito. Mas, desde o inmcio, nco foi difmcil, a quem tanto merecia a confianga de Vargas, obter de seus amigos e colaboradores tudo o que reclamasse para dotar a nova situagco de um grande jornal. Wainer nco encontraria obstaculos em seu caminho, "pois todos sentiam a necessidade de proporcionar ao novo Governo meios de divulgagco de suas realizagues e defesa contra os ataques que se anunciavam e enfrentar maciga frente dos jornais, controlados pelas agjncias de publicidade ligadas a interesses contrariados pela orientagco nacionalista, anunciada desde a primeira declaragco do candidato". (Silva, 1978, p.184) Wainer, por outro lado, como correspondente e ati mesmo como exilado polmtico, continuou trabalhando como jornalista no exterior, aprendeu muito com a imprensa norte-americana da ipoca e soube tirar partido da fotografia, ja nas primeiras edigues do seu novo jornal.

O populismo e o advento da imprensa denominada por "popular", como seria o caso de Zltima Hora, e, mais recentemente, de seu sucessor Notmcias Populares, estco estreitamente ligados ao drama de toda a burguesia, ou seja, a emergjncia e a incorporagco polmtica das classes populares. E o emprego da fotografia nessa modalidade de imprensa estaria subordinado a injungues decorrentes da orientagco polmtica, filossfica e estitica de cada vemculo, dentro da sua respectiva ipoca, ou de seu momento histsrico. Nesse sentido, nco ss o cuidado com a imagem fotografica, mas tambim os critirios de diagramagco da primeira pagina e, consequentemente, das paginas interiores, estavam muito alim do que a imprensa tradicional paulistana, de prestmgio, podia oferecer. Como porta-voz do populismo de Getzlio e em fungco da interagco dos objetivos e estratigias adotadas para atingi-los, Zltima Hora foi um produto combinado. Apresentou ao mesmo tempo o perfil de um jornal de causa e um jornal da indzstria cultural. As possibilidades dessa composigco foram dadas, de um lado, pela intersecgco entre as ticnicas especmficas de sedugco popular do populismo getulista e as utilizadas pela prspria indzstria cultural visando lucro; de outro lado, pelo acesso, por meio da importagco, a estas ticnicas desenvolvidas na esteira do capitalismo maduro norte-americano e de uso generalizado em sua fase monopolista, antes que as tivessemos atingido. O populismo, cujas origens passam a ser viaveis a partir do advento das indzstrias de base, cuja implantagco ja iniciada nos meados da dicada de 1930, estimuladas pela crise mundial capitalista de 1929, passa a fornecer matirias primas para as nossas indzstrias de bens de consumo de primeira necessidade, substituindo as suas importagues, e oferecendo amplas garantias para o desenvolvimento da burguesia nacional que tambim ascende ao poder. Se a incorporagco polmtica das classes populares sempre foi o drama de toda a burguesia, o produto cultural industrializado dessas classes menos privilegiadas, pelo menos, refletiu os anseios do desenvolvimento industrial, ainda nco atingido ati aquele momento.

A Revolugco de 30 era a tentativa de modernizar o Brasil, e Vargas, o seu instrumento. E a imprensa entendeu de um modo especmfico o sentido do espmrito da modernizagco. Ainda nos anos de 1950, a renda publicitaria da imprensa brasileira era composta, basicamente, pelos pequenos anunciantes, pois a indzstria nacional nco alcangara sua maioridade, e tampouco havia grupos financeiros de grande porte. Como os recursos obtidos com as vendas em bancas e assinaturas eram insuficientes, este meio de comunicagco precisava valer-se de outras fontes de renda, utilizando, como moeda de troca, seu peso junto ` opinico pzblica. Gragas a este trunfo, os barues da imprensa sempre mantiveram relagues especiais com o governo, que tanto lhe prestava favores diretos como beneficiava seus amigos - amigos que sabiam retribuir a ajuda recebida. A imprensa popular deste permodo teve uma sirie de vantagens disponmveis, como isengues fiscais, importagco de papel com subsmdio, e, eventualmente, anzncios do prsprio governo. Com toda esta estrutura em funcionamento, quem ousaria fazer oposigco? Apss a implantagco das indzstrias de base, o populismo seria, antes de mais nada, o degrau necessario que o nosso capitalismo teria que escalar para tentar atingir a sua maturidade.

Sobre esse permodo, Nilson Werneck Sodri disse: "os jornais desaparecidos no inmcio da segunda metade do siculo foram dezenas. Dois novos surgiram, e justamente vespertinos, Zltima Hora e Tribuna de Imprensa, dirigidos por Samuel Wainer e Carlos Lacerda, respectivamente". (Sodri, 1987, p.388) i praticamente impossmvel tentar relatar a histsria da imprensa em poucas palavras, pois ela variou bastante de um permodo para o outro, de acordo com as condigues especmficas de cada um. A znica generalizagco que se pode fazer i que o seu desenvolvimento acompanha, em linhas gerais, o da burguesia, e que grande parte dela ou nasce ou se torna arma de luta polmtica no permodo correspondente, em cada pams, ou mesmo nos momentos favoraveis de nossa histsria, o que, em outras palavras, se denomina revolugco burguesa. @s vezes com mais liberdade, outras sem nenhuma. As suas vicissitudes atestam o grande envolvimento de muitos jornais no processo das lutas polmticas.

Mas, ` medida em que o poder burgujs se estabelece, deparamos com o seu drama classico: a presenga operaria, como, alias, ja vimos no final da primeira dicada deste siculo em Sco Paulo. O processo pelo qual a burguesia assegura sua dominagco neste permodo, implica em reprimir, junto com os movimentos, os orgcos capazes de elaborar uma visco polmtica auttnoma das classes dominadas. Ss depois disso i que jornais da imprensa sobrevivente e, portanto, vinculada ` classe hegemtnica, organizados em empresas, deixam de dirigir-se especificamente a um "pzblico de classe" e passam a buscar um "agregado difuso de leitores na sua amplitude possmvel" que os empresarios passam a definir como massa, tentando atrair para o seu bmbito, "os leitores potenciais dos jornais de classe antes assassinados". (Goldenstein, 1987, p.28) Neste contexto, assistimos ` imprensa operaria se apropriando da imagem fotografica para melhor expressar suas reivindicagues, mobilizagues e conquistas, que seriam, mais tarde, incorporadas no Zltima Hora, porim com um discurso ja reciclado, absorvido e incorporado pela sua sptica.

Na realidade, este processo vai desembocar lentamente na imprensa da Indzstria Cultural, que passa, tambim, a estender a educagco formal a quase todos os membros da sociedade, na importbncia crescente da publicidade para o jornal, no surgimento de outros media, na reformulagco da concepgco da mensagem escrita e fotografica nos jornais, e, o que i fundamental: na transformagco dos jornais em empresas e na concentragco e centralizagco do capital neste setor.

As inovagues foram introduzidas ja no inmcio deste lento processo de transigco da imprensa por Samuel Wainer, cuja aprendizagem em Diretrizes, durante o Estado Novo, permitiram-lhe, ao fundar o vespertino Zltima Hora, apresentar uma folha vibrante, graficamente modelar, revolucionaria em seus mitodos de informar e ati de opinar. Mas i evidente que estas reformas, plenamente validas em termos de imprensa, exclumdas outras condigues, apresentam apenas a ponta vismvel do "iceberg", pois um jornal tambim i procurado principalmente pelo que expressa, pela sua opinico, pela sua posigco. O prsprio fato do esforgo na reforma grafica generalizar-se, marcando a concorrjncia, transparece as limitagues a que os jornais essencialmente se submetem: a posigco diante dos problemas. E a fotografia, com a fungco mais complementar que tivesse, tambim nco ficaria alheia a tudo isto. No jornal Zltima Hora irmamos encontrar nco ss muito mais espago para a fotografia, como tambim a heranga da prspria imprensa operaria: a informagco visual interagindo com a escrita e vice-versa, apesar da nmtida manipulagco da mensagem fotografica em alguns casos.

Nco devemos, contudo, esquecer que quando este jornal se ramificou em uma edigco paulista, em margo de 1952, foi amparado pelo Conde Francisco Matarazzo, empenhado em grandes choques com Assis Chateaubriand, especialista em extorquir dinheiro com mitodos nco-ortodoxos. Para fazer frente a este que o chamava de "o lazarento", o Conde nco teve dzvidas: pagou todas as contas da Zltima Hora, deixando algumas ressalvas com relagco ao tratamento da classe operaria pelo novo jornal, no intuito de preservar suas indzstrias.

A escola de Wainer foi, portanto, a escola dos Diarios Associados, que, na pratica, se resumia a uma ss palavra: corrupgco. De fato, contmnuos exigiam gorjetas para permitir a entrada de alguim, redatores tomavam dinheiro de agougueiros para nco denunciarem o aumento do prego da carne, secretarios de redagco chantageavam empresas para impedir a publicagco de crmticas a seus produtos. Os negscios mais compensadores ficavam por conta do prsprio Chateaubriand. "Mitodos de gangster", conforme denota Samuel Wainer em sua obra Minha Razco de Viver. (Wainer, 1987) O prsprio Wainer chegou a endossar este tipo de postura para garantir a sobrevivjncia de seu vemculo. Em certas ocasiues, chegou a namorar filhas de comerciantes para fechar negscios. Por um lado, apoiava empresarios, mas em seguida levava a conta: anzncios. Desta forma, a corrupgco, a chantagem, o achaque e a bajulagco eram reflexo de um permodo que nco tinha como absorver este produto de informagco industrializada de outra forma.

Mas, de qualquer forma, grande parte do poder editorial no Brasil ainda esta nas mcos de empresas familiares e daqueles que, por pragmatismo e magnanimidade, gravitam em torno de seus nzcleos principais. Assim, o interesse principal dessas empresas jornalmsticas tem se limitado `s vendas, que sco os parbmetros do prestmgio e da influjncia que, hierarquicamente, os produtores dos jornais possuem.

A Zltima Hora, em seu permodo populista, nos mostrou que a fotografia nco precisava veicular a decantada informagco suplementar, critirio este que a revista norte-americana Life ja adotara ainda na dicada de 1930. Em ambos os casos, notamos a necessidade de transmitir a informagco, mas nco se tratava de complementar a informagco do texto, mas de fornecer a peculiar informagco prspria da linguagem fotogr fica. A Zltima Hora ss esteve bem quando esteve no governo. Fora dele, esvaiu-se. Mas, por mais breve que tenha sido a sua existjncia, este vemculo comegou a viabilizar o uso dessa linguagem com quase todos os recursos visuais de que dispue a fotografia como forma de expressco, como ticnica e documento. Entretanto, nco contou com tempo suficiente para desenvolver melhor seus pressupostos.

B) Fotojornalismo e Mitos da Imagem Oficial

A dicada de 1930, no Brasil, foi demarcada por revolugues, radicalizagco ideolsgica, nacionalismo, populismo, interferjncia do Estado na economia e estmmulo ` industrializagco. Em sintonia com tudo isto, tivemos ainda outros eventos no cenario internacional, como a crise da superprodugco norte-americana em 1929, desestruturando o mercado financeiro e conduzindo o sistema capitalista ` depressco, que influiu diretamente nos rumos da histsria do pams.

O cafi, entco principal produto da nossa economia, deixou de ser exportado. Washington Lums, presidente da Repzblica na ipoca, parou de socorrer os fazendeiros porque o Estado nco tinha mais divisas, nem conseguia empristimos no Exterior, com o intuito de estoca-lo e forgar a alta de pregos no mercado. As oligarquias que detinham o poder central e nos Estados, se uniram aos militares e fizeram a Revolugco de 1930. Comegou assim a primeira fase de Getzlio no poder, que terminaria com sua deposigco em 1945.

Descontentes com a polmtica econtmica do governo e sem saber quando haveria novas eleigues, os banqueiros, fazendeiros e a classe midia de Sco Paulo promovem o movimento contra- revolucionario, mais conhecido como Revolugco Constitucionalista de 1932. Getzlio derrotou os paulistas e ja em 1934, o Brasil criava sua terceira Constituigco.

A radicalizagco ideolsgica durante este permodo foi constante: os comunistas em oposigco ao integralistas, dando inmcio aos primeiros partidos polmticos nacionais - a AIB, Agco Integralista Brasileira, inspirada no fascismo italiano; e a ALN, Alianga Libertadora Nacional, aglutinando comunistas e socialistas.

Em 1935, o Partido Comunista Brasileiro tenta chegar ao poder por meio de um golpe, historicamente denominado Intentona Comunista. Vargas aproveita o momento, favorecido pela radicalizagco e o instante propmcio da tentativa frustrada desse golpe para intensificar a repressco.

Em 1937, com o apoio da burguesia industrial, dos militares, da classe midia e parte do operariado, Vargas da o golpe e impue a ditadura do Estado Novo, que chega ao fim em 1945, com a vitsria da democracia internacional contra o "eixo" nazi- fascista, amparada pela radicalizagco do entco Impirio Japonjs. Os militares atuam dentro do Estado Novo estimulados pelo nacionalismo, ou seja, as riquezas criadas pelos brasileiros em benefmcio prsprio. A nova burguesia adere ao nacionalismo e ` ditadura, em troca dos grandes investimentos que o Estado deveria fazer no setor da indzstria de base. Surgiram hidrelitricas, como a de Paulo Afonso, siderzrgicas, como a de Volta Redonda, e outros benefmcios. Houve, tambim, estmmulo para a reestruturagco da produgco agrmcola, o que possibilitou a Vargas o apoio das oligarquias estaduais. A classe midia aderiu ao Estado Novo, pois entendia que a expansco econtmica seria fator essencial para a criagco de novos empregos e melhoria no seu padrco de vida.

O movimento operario, entretanto, era controlado pelo Estado. Os direitos conquistados pela classe trabalhadora, no inmcio da dicada de 1930, como firias remuneradas, carteira de trabalho e outros, foram assegurados. O controle sobre a atuagco do proletariado serviu para atenuar os conflitos sociais. Getzlio se intitulava "Pai dos Pobres" e difundia muito essa imagem. A postura "confiem em mim que resolvo todos os problemas de vocjs", aliada ao avan o da industrializagco que comegava a se manifestar, tornou possmvel o fentmeno do populismo no Brasil.

No entanto, todas estas imagens de profunda transformagco no cenario brasileiro nco constam dos jornais paulistanos da ipoca. A imprensa ainda nco tinha adquirido o habito de se utilizar da imagem fotografica, pois ainda estava atrelada ` tradigco dos vemculos da elite europiia das Zltimas dicadas do siculo XIX, contando ainda com a polmtica excludente de nossa elite com relagco `s classes populares. Dentro desse contexto, a fotografia, aos poucos, ia conquistando seu espago mmnimo na primeira pagina, e quando isto realmente ocorria, estampava sempre fotos de polmticos proeminentes. A partir do Estado Novo, o semblante de Vargas seria veiculado, ja com maior frequjncia, na tentativa de controlar a opini b o pzblica e inseri-la dentro da nova ordem polmtica.

No plano econtmico, este novo permodo, que se inicia nos primeiros anos da dicada de 1930 e que se estende ati meados de 1950, tambim denominado de industrializagco restringida. A industrializagco resulta da dinbmica da acumulagco que passa a se assentar na expansco industrial, porque existe um movimento endsgeno de acumulagco que se reproduz simultaneamente: a forga de trabalho e parte crescente do capital industrial. Mas a industrializagco se encontra restringida, porque as bases ticnicas e financeiras de acumulagco sco insuficientes para que se implante, em um ss momento, o nzcleo fundamental da indzstria de bens de produgco, que permitiria ` capacidade produtiva crescer adiante da demanda, autodeterminando o processo de desenvolvimento industrial.

Este permodo, baseado no crescimento do setor de produgco de bens de consumo para assalariados e no setor leve de bens de produgco, e cuja dinbmica continuava limitada pela nossa capacidade de importar, passou a ser compatmvel com o crescimento de consumo da classe trabalhadora. Isto passa a ser viavel por duas maneiras: por meio de uma dilatagco salarial, que supue salarios reais constantes e uma forte demanda da mco de obra urbana, ja predominante na dicada de 1940; ou por meio do aprofundamento do capital, que considera salarios reais crescentes e uma menor demanda de trabalho, como constatamos na dicada de 1950.

A manutengco da dinbmica do novo padrco de acumulagco, por meio do consumo pessoal, exigia tambim um novo mercado formado por segmentos de poder aquisitivo mais alto que o da midia da sociedade e nco pelas "classes de base", compostas de operarios e nco operarios. Assim, a polmtica de redistribuigco "corretiva" de Vargas, concedendo aumentos salariais que ao menos mantinham seu valor real, nco ss era necessaria para este novo padrco de acumulagco, como tambim tendia a se tornar incompatmvel com o mesmo, na medida em que a expansco do setor de bens duraveis solicitava uma redistribuigco de renda menor para os assalariados e em favor de alguns setores da classe midia.

Um dos grandes pontos de sustentagco das relagues dos governos populistas com as classes populares era a sua polmtica salarial. E, se esta fosse mantida na retomada do ciclo, o setor produtor de bens duraveis nco teria condigues de manter as mesmas taxas de crescimento que ja vinha apresentando. Neste aspecto, havia uma tendjncia de incompatibilidade entre a polmtica populista e a persistjncia deste padrco de acumulagco, aliado ao interesse do capital estrangeiro em entrar no pams.

No entanto, esse padrco nco levou necessariamente o populismo sua crise. O que realmente ocorreu foi a incompatibilidade criada - ou mudava o populismo, ou entco mudava o padrco de acumulagco - porim este aspecto do populismo era, naquele momento, essencial ` sua sobrevivjncia.

Nestes termos, i facil constatar que a etapa de industrializagco restringida coincidiu com os governos populistas em varios pamses da Amirica Latina. Ou, como interpreta Maria da Conceigco Tavares: "Nos pamses onde as formas populistas chegaram muito tarde ou permaneceram ati a etapa seguinte da industrializagco, verificou-se uma ruptura no sistema de aliangas verticais". (Tavares, 1973, p.198)

O novo padrco de acumulagco que se conduzia para a indzstria pesada nco poderia ser posto em pratica como um simples desdobramento da estrutura industrial anterior. Apoiou-se, entco, no Estado e na entrada maciga de capital estrangeiro. Estaria, desta forma, criado o tripi que articula a nossa economia ati hoje: empresa nacional, empresa multinacional e Estado. Desta maneira, a base material do nacionalismo foi se diluindo, ` medida em que a burguesia nacional foi se incorporando ao capital estrangeiro em uma sirie de empreendimentos.

Por outro lado, o populismo apoiava-se em um tmpico "pacto de classes", cuja viabilidade dependia, no princmpio, da incapacidade de cada um dos setores dominantes em assumir sozinho, e de modo prsprio, o controle do Estado, e da possibilidade, por meio de uma relagco bastante especmfica com as classes populares urbanas, de tj-las como aliadas, fonte de legitimidade e ainda como massa de manobra. A manipulagco das classes populares pelo populismo dependia, em boa parte, de dois parbmetros: da margem de compromisso existente entre os diversos setores das classes dominantes e "do carater relativamente indiferenciado das camadas populares urbanas, que as tornava passmveis de controle". (Weffort, 1978, p.71) Este quadro tambim desapareceu. O processo de industrializagco desembocava no ciclo iniciado com o plano de metas. Assim, este processo, nco ss na sua zltima etapa, mas ja inserido na urbanizagco, propiciava uma forte diferenciagco social no seio da sociedade, refletindo, cada vez mais, uma diferenciagco de interesses. Neste contexto, as margens de compromisso entre as classes dominantes comegaram tambim a se estreitar.

O pacto populista, portanto, trazia na sua essjncia, desde o inmcio, contradigues que foram aflorando durante o processo de industrializagco e urbanizagco, cujo ritmo se acelerou a partir de 1953, com a recuperagco da crise. A partir dam, somaram-se outros fatores, como a mudanga do padrco de acumulagco ja no inmcio do governo Kubitschek, e as novas condigues de articulagco com o capitalismo internacional em que se iniciou este padrco.

Estas especificidades, dentro do processo da modernidade brasileira, vco diferenciar seus usos e atribuigues em relagco ao mundo europeu a partir dos meados do siculo XIX. Se, nas grandes metrspoles europiias, a fotografia correpondeu a uma fase particular da evolugco social para o modernismo, este processo por si ss ja se justificava em fungco da ascensco das novas camadas daquela sociedade, o que ja representava um maior significado polmtico e social. Neste contexto, os primeiros fotsgrafos nasceram da estreita relagco com esta evolugco, onde as novas camadas sociais tinham, cada vez mais, a necessidade de manifestar a sua mobilidade social e de se situar dentro do privilegiado grupo que ja contava com grande prestmgio social, e se utilizava da fotografia, nco ss para se projetar socialmente, como tambim como forma de busca de sua individualidade. Desta forma, para o mundo europeu, o desenvolvimento da fotografia foi o retrato do desenvolvimento da sua prspria modernidade.

Entretanto, em nosso pams, este processo se manifesta de modo inverso. As novas classes populares, emergentes da industrializagco e da reestruturagco urbana, sco exclumdas nco ss do cenario polmtico, como tambim das primeiras paginas dos jornais de elite, que tem como tradigco privilegiar os mitos da imagem oficial. I com o governo populista de Vargas que estas classes sco resgatadas, passando a refletir a sua identidade no Zltima Hora, ja que os outros jornais se opuseram a ele desde o inmcio de sua campanha a presidente. Neste aspecto, o Zltima Hora, tanto por meio da sua mensagem escrita, quanto fotografica, nco se dirigiu exclusivamente, mas especialmente, `s classes de trabalhadores urbanos, quer fossem operarios ou nco. Caracterizou-se logo no primeiro nzmero, como um elo estabelecido entre Vargas e sua base popular, forjado de cima para baixo, mas que tambim se apresentou como porta-voz desses segmentos.

Esta relagco entre o servir e o desservir, de "cortejar as massas", era, na sua essjncia, uma forma de exercer a dominagco de classe. Por outro lado, nco se pode negar que nesta ambiguidade entre o servir na parte e o desservir no todo, nesta sedugco do interlocutor ao qual se concede uma cidadania mistificada, ha, de fato, afinidades entre a retsrica populista e as ticnicas de produgco das mensagens ja transformadas em mercadorias pela Indzstria Cultural.

A organizagco empresarial de Zltima Hora, desde sua fundagco, ja contava com uma equipe de talento, de alto nmvel, criteriosamente selecionada dentro do mercado jornalmstico, e com salarios mais altos do que os habituais. Toda a preocupagco com o horario de circulagco, com a marca, com a elaboragco de um jornal agradavel e digestivo, estava subordinada a uma linha editorial definida, ou seja, a mensagem polmtica getuliana. Estava, assim, articulado o orgco que passaria a veicular a imagem do mito oficial da nova ordem. A empresa esta subordinada ao jornal e existia para viabiliza-lo, e o vemculo se definia em fungco de seu contezdo polmtico. E foi atrelado a este contezdo, e nco ` empresa, que Wainer procurou tomar posse do controle acionario de Zltima Hora, conforme exporia ao longo de sua obra Minha Razco de Viver. (Wainer, 1987) Segundo afirmou, teve acionistas como Danton Coelho, Oscar Pedroso Horta, mas mantinha para si o controle acionario. Ao contrario de querer se sentir dono ou mesmo empresario, Wainer tinha a conscijncia de que em um jornal polmtico haveria momentos em que alguim teria de tomar duras decisues, e que se ele nco tivesse esse controle, as decisues seriam, inevitavelmente, postas em dzvida. E, como de fato, ocorreram momentos de crise, como a morte de Getzlio, a queda de Jango e outros eventos chocantes, que obrigaram Wainer a contrariar sempre a posigco de outros companheiros, acionistas ou nco, ao tomar decisues vitais. Este controle acionario lhe permitiu que comandasse, por exemplo, as edigues do permodo crmtico que conduziu Getzlio ` sua morte, deixando transparecer, inclusive, sua visco pessoal sobre os fatos.

Estas edigues cederam mais espago ` imagem fotografica, veiculando instantbneos e flagrantes nunca antes vistos na histsria do fotojornalismo brasileiro. Estas imagens evidenciaram que a fotografia de imprensa tambim representa, efetivamente, um instrumento de condugco de interesses e de intervengco na vida social. Portanto, i facil concluir que i nos momentos de crise polmtica que os vemculos deixam transparecer suas reais intengues, permitindo que a linguagem visual grafica e fotografica possa ir um pouco mais alim. Abrindo um pouco mais esta discussco, podermamos afirmar que tanto a polmtica como a cultura em geral sco atividades que produzem crises. Caso contrario, nco sco atividades dinbmicas, mas sim propaganda de regime.

Examinando melhor as edigues desse permodo, editadas sob as ordens de Wainer, as primeiras paginas revelam que o espago dedicado ` fotografia pela Zltima Hora ja era grande na edigco anterior ao suicmdio, pois por meio de fotomontagem e foto de arquivo, se especulava fotograficamente a possibilidade do presidente renunciar ou nco. Com o impacto da sua morte, o uso e a manipulagco da mensagem fotografica passaram a ser maiores. As imagens referentes ao envolvimento das classes populares estco muito bem diferenciadas em relagco ` imprensa de prestmgio da ipoca. As fotos sco focalizadas em "plano detalhe", recortando as multidues, com o intuito de deixar transparecer toda a sua emotividade (Zltima Hora, primeira pagina das edigues dos dias 24, 25, 26, 27 e 28 de agosto de 1954).

No entanto, observamos ainda um aspecto muito importante relativo sintaxe visual. A imprensa sensacionalista, sob o prisma de Wainer, utiliza os mesmos recursos da imprensa de prestmgio emergente (ja que a Folha da Manhc, logo apss o tirmino da Segunda Grande Guerra, passaria por profundas transformagues, cuja jnfase editorial seria mais urbana e industrialista): o povo i sempre visualizado de cima para baixo, na tentativa de reduzi-lo e discrimina-lo. Desta abordagem, nem o prsprio corpo de Getzlio escapa: tambim i interpretado sob o mesmo prisma, conforme a primeira pagina de Zltima Hora, edigco de 25.08.54, e de Folha da Manhc, edigco de 26.08.54.

Constatamos, ainda, que Wainer se excedeu ao veicular seu arquitipo das classes populares, que samram `s ruas em pleno desespero. Suas fotos mostram indivmduos homogjneos, bem vestidos, bem nutridos, com chapius e gravatas, tmpicos das metrspoles norte-americanas da ipoca. Os planos fotografados sco tco fechados, para enfatizar a mobilidade e a emotividade dessas classes, que nco se pode identificar em que pontos da cidade os mesmos ocorreram, ja que nco ficou evidenciada nenhuma referjncia urbana ou geografica.

A forma como o poder i representado pela imagem de Vargas nas primeiras paginas do Zltima Hora, merece especial atengco. Na edigco anterior ` sua morte, ele aparece no lado direito da primeira dobra, oponente, visualizado de baixo para cima. Durante a divulgagco do impacto de sua morte, sua imagem foi registrada exatamente no eixo da cbmera, denotando uma relagco de igualdade com os leitores. Na edigco seguinte, enquanto o povo trava o primeiro contato com o seu corpo, os valores dessa sintaxe visual se invertem. Todos sco observados de cima para baixo, reduzidos ` mesma condigco. Neste sentido, as fotos de primeira pagina estco muito prsximas da linguagem cinematografica convencional. Cada dia, ou edigco, corresponde a um take (tomada ou cena), e a sucessco desses takes denota o movimento da ascensco e queda do regime.

O espago permitido `s experijncias de linguagem i muito maior no Zltima Hora do que na Folha da Manhc, e inexistente no O Estado de S. Paulo. Conforme vimos, a fotografia narra de modo claro e racional a trajetsria do poder. A empatia popular i interpretada por meio de fotos instantbneas, colhidas naquele exato momento, nos seus detalhes mais mntimos, embora haja sinais nmtidos da manipulagco de sua mensagem. As fotos veiculadas de Getzlio nco sco imagens posadas, produzidas em estadio, retratando melhor a dinbmica do momento. O fundo dessas imagens foi intencionalmente recortado, para reter melhor a atengco dos leitores.

A empatia popular esta presente, nco ss nas fotos de primeira pagina, mas tambim na sua interagco com as manchetes, tmtulos e leads, que sco mantidos ati o zltimo momento, porim em menor destaque, como se pode verificar na edigco de 30.08.54. A Zltima Hora dedicou morte de Vargas 8 edigues, de 23.08.54 a 30.08.54, sendo a cobertura jornalmstica mais extensa desse permodo.

Se a sua narrativa fotografica com relagco ao poder estava muito prsxima das produgues cinematograficas norte-americanas da ipoca, a sua concepgco de poder, por outro lado, foi muito sintitica e direta.

Na edigco imediatamente anterior ` morte de Vargas, o Zltima Hora tenta resgatar seu prestmgio, profundamente abalado no cenario polmtico, visualizando-o de baixo para cima. Com o impacto da sua morte, na edigco seguinte, a crise i interpretada com a foto de seu rosto cuidadosamente recortada, denotando que a sua cabega fora decepada pelas "forgas ocultas" do capital estrangeiro. Nas edigues seguintes, a morte do presidente i, para as objetivas de Zltima Hora, um apelo drambtico para que o povo preserve sua heranga, do mesmo modo que esta ja era conservada em vida. Suas fotos evidenciam o medo de ceder qualquer espago ` entrada do capital estrangeiro no pams.

Pode-se ainda concluir que durante estas oito edigues, o Zltima Hora nco abre mco do seu discurso populista, nem nas manchetes e nem no prsprio texto, aproveitando recursos e novas experimentagues da linguagem fotografica para incrementa-lo ainda mais. Toda esta energia desprendida pelo vemculo e canalizada pela fotografia, foi executada com o propssito de nco deixar que a populagco se dispersasse, como alias foi tambim o lema do PMDB, logo apss a morte de Tancredo, e de preservar, com todas as forgas disponmveis, o cenario polmtico de eventuais golpes. Em smntese, o discurso desse vemculo, durante este permodo de crise, esteve em confronto direto com O Estado de S. Paulo, cujos mitos da imagem oficial se resumiam sua tendjncia favoravel ` entrada do capital estrangeiro no pams.

Aos olhos de Wainer, a morte de Getzlio significava nco ss o fim do populismo e a retirada das barreiras que faziam frente ` vinda deste capital, mas tambim toda uma estrutura de austeridade social e econtmica, de uma grande conscijncia nacionalista gerada por este permodo, desde o inmcio dos anos de 1930, que estava prestes a ruir, conduzindo toda a nagco ` escravidco deste capital, que, antes de mais nada, nco era nosso.

A Folha da Manhc, por sua vez, i o vemculo que definimos como vemculo "de prestmgio emergente", devido ao fato de nco possuir, na ipoca, o grande poder de persuagco e influjncia nas elites pensantes de nosso pams, como ja era a tradigco de O Estado de S. Paulo. A partir de mar o de 1945, Josi Nabantino Ramos assume a diregco das Folhas (Folha da Manhc, Folha da Tarde e Folha da Noite), deixando as marcas de seu estilo, que ele denominaria de "jacobino", de seus esforgos para reestruturar a empresa dentro de padrues modernos e procurando erradicar o alto grau de improvisagco que caracterizava a atividade jornalmstica do vemculo ati entco.

Para tanto, Nabantino foi em busca de meios praticos para regulamentar a atividade jornalmstica, tentando romper com o seu carater paternalista e personalista, prsprio das empresas da ipoca, seja pela vertente tradicionalista de O Estado de S. Paulo, seja, mais tarde, pela vertente nacional-socialista do Zltima Hora. Neste sentido, procurou firmar a Empresa Folha da Manhc Ltda., nos marcos da ordem liberal burguesa, de maneira "jacobina" (subentendida como "justa"), e, portanto, sem estar atrelada ao paternalismo elitista e muito menos ao populismo vigente.

A postura de Nabantino Ramos sempre foi explmcita, sua clareza constituindo o trago caractermstico das formas do pensamento burgujs. Sua preocupagco essencial foi dirigida para adaptar as Folhas aos ritmos e ` prspria racionalidade da ordem burguesa.

Alim da lavoura, na fase iniciada em 1931, quando a sociedade passou a denominar-se Empresa Folha da Manhc Ltda., tendo Octaviano Alves de Lima ` sua frente, as Folhas encampavam e se visualizavam como porta-vozes dos pecuaristas. Na realidade, nco houve uma ruptura com a fase anterior, mas sim um melhor aprofundamento. A empresa se consolidara sob a diregco de Octaviano e Alcidez Meirelles, e levava em muita consideragco o largo plano de agco ja delineado e excelentemente executado. A esmerada tradigco de probidade e a ampla visco dos problemas nacionais ficaram registradas no processo de passagem de uma diregco ` outra. Mas, do novo espmrito da empresa deveriam tambim participar grandes e pequenos lavradores pecuaristas, para que pudessem representar ambas as classes e atingir, com mais eficijncia, suas altas finalidades. Portanto, para que os jornais expressassem melhor a conscijncia de si mesmos (que, segundo Alves de Lima, deveria ser despertada para a "nobre classe de lavradores"), o orgco se ampliara. Maior eficijncia era explicitamente procurada, e o vemculo passaria a representar com maior nitidez, ati por volta de 1950, os interesses desses capitalistas agrarios. No entanto, apss este permodo, a jnfase seria mais urbana e industrialista, conforme se pode constatar nas prsprias fotos de primeira pagina, veiculadas no permodo da morte de Getzlio Vargas.

-- Enio Leite (focus@focusfoto.com.br), February 19, 2000


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