Tese sobre Fotojornalismo PG10

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Portanto, Tancredo viu na faljncia coletiva "das elites organizadas nos partidos, a principal causa do advento da ditadura militar em 1964. Paralelamente, reconhecia tambim que a Constituigco de 1946 nco assegurava ao Poder Executivo a necessaria autonomia para governar com eficacia no caso de o Congresso mostrar-se fraco e dividido". (Delgado & Silva, 1985, p.31) Aos olhos do polmtico mineiro, a reforma constitucional despontava na dicada de 1950, com o objetivo de democratizar nco ss as instituigues polmticas, como tambim a organizagco de governo.

O golpe militar comegava a colocar em funcionamento uma nova polmtica econtmica que aniquilou definitivamente com as herangas deixadas pelo Brasil tradicional. O capitalismo financeiro, a competitividade em larga escala, atingiram os mais longmnquos pontos do pams. Em alta velocidade atingiu-se o processo de modernizagco econtmica avangada, que se iniciara com Vargas em 1951. E as instituigues polmticas foram readaptadas em fungco dessa nova polmtica econtmica, deixando-se de lado, mais do que na administragco anterior, as demandas da sociedade, mais especificamente aquelas relativas aos segmentos sociais e econtmicos mais fracos. Essa medida, mais uma vez, conforme vimos, acarretou na larga corrida da classe midia brasileira `s universidades, surgindo uma nova geragco de mco de obra liberal e intelectualizada, que tambim seria novamente absorvida pela imprensa e pelo fotojornalismo.

Assim, a nossa sociedade, no inmcio da dicada de 1980, atingiria um estado muito similar a um caldeirco fervendo a todo o vapor. A problematica econtmica intensificava-se, e o nmvel de demandas dos diferentes grupos sociais ampliava-se, as instituigues polmticas permaneciam pouco maleaveis para garantir o debate franco e criativo de solugues concretas para os conflitos econtmicos e sociais. Para Tancredo, a reforma constitucional sempre foi o caminho para a superagco do nosso principal entrave, o atraso no processo de democratizagco do pams. O retardo na nossa modernizagco polmtica, que ao longo do processo de modernizagco econtmica, nco conseguiu criar condigues para o fortalecimento do sistema partidario, i sem dzvida o maior drama do Brasil contemporbneo. E i tambim o fator preponderante que justifica os constantes avangos e recuos no fotojornalismo em conquistar sua forma auttnoma de expressco.

Por mais de trjs siculos, nosso pams se caracterizou como uma sociedade rural, tutelada por uma aristocracia agraria cuja atividade econtmica visava exclusivamente a exportagco. Durante toda essa ipoca, o nmvel de integragco social e polmtica sempre foi muito aquim de qualquer expectativa. As estruturas de convivjncia e as relagues de poder emergiram em fungco dos interesses articulados nos municmpios. Para essas populagues, ati o inmcio do nosso siculo, os focos de lealdade e identidade polmtica raramente ultrapassavam os limites do seu povoado ou mesmo de seu Estado. Foi a partir da experijncia moderna da convivjncia social que assistimos ao enfraquecimento das tradigues e dos costumes, tanto nas relagues econtmicas, como nas polmticas. O novo conceito dinamizado da convivjncia floresceu com a expansco dos nzcleos urbanos, decorrente da economia de mercado, com a multiplicagco de empreendimentos baseados nos princmpios da livre iniciativa e de seus lucros. Este dado histsrico ainda i muito recente dentro da realidade do pams, que ainda se encontra inserido no complexo processo de adaptar suas instituigues polmticas `s exigjncias de uma sociedade industrial e pluralista. E i dentro desse contexto que vamos encontrar o fotojornalismo apresentando inzmeros surtos de repentinos avangos e retrocessos, aparentemente inexplicaveis.

Tancredo, ao longo de sua carreira, foi sempre considerado o protstipo de polmtico conciliador. Embora os setores da esquerda sempre criticassem que a postura conciliatsria nada mais i do que um mero artifmcio para barrar as mudangas mais radicais e de essjncia democratica, para os setores de direita, a conciliagco sempre foi recebida como uma tatica desejavel de reforma gradualmstica. Estes setores mais conservadores sempre foram mais favoraveis a estratigias que pudessem incorporar novos interesses ao jogo polmtico, sem que fossem rompidos radicalmente os padrues ja vigentes na sociedade. Mas, o polmtico mineiro, de tendjncia conservadora, convencido da necessidade histsrica de democratizar nossa polmtica, via que a conciliagco nco era apenas um recurso polmtico circunstancial e pragmatico. Ao contrario de ser mero oportunismo, impunha-se pelas prsprias especificidades da evolugco da sociedade brasileira. Assim, ele sempre considerou as questues pertinentes da modernizagco polmtica brasileira dentro de uma perspectiva liberal, adaptada `s premissas que sempre privilegiaram a conciliagco.

O novo e o velho, o tradicional e o moderno, sco contradigues presentes na economia e nas relagues sociais. A modernizagco econtmica gerou novos interesses, conflitantes entre si e com os perfis arcaicos de organizagco da sociedade. Para Tancredo, a polmtica, compreendida como atividade "cujo produto final i a regulamentagco da convivjncia coletiva, nco poderia perder de vista as ambiguidades e contradigues geradas ao longo do processo de modernizagco". (Delgado & Silva, 1985, p.34) Seu objetivo seria o de harmonizar o maior nzmero possmvel de demandas e interesses. Nesse contexto, a conciliagco deveria ser privilegiada na polmtica como princmpio de estabilizagco para se atingir um padrco desejavel nas relagues sociais. De qualquer forma, devemos reconhecer que este era o znico recurso viavel para aquele momento, ja que as possibilidades anteriores de se atingir um modelo democratico de convivjncia tinham sido atropeladas pelo Estado Novo e pelo golpe militar de 1964.

Tancredo acreditava que a democracia brasileira somente se estabilizaria se a participagco polmtica dos militares tambim fosse considerada. Ao elaborar a tatica de aliangas polmticas para que o pams atingisse sua fase de transigco democratica sem confrontos violentos ou grandes traumas, teve como primeiro cuidado neutralizar qualquer projeto revanchista em relagco aos militares.

Mas, desde o inmcio, a campanha das diretas seria vista com suspeita pelos militares. Em cada cidade, o pzblico reagia entusiasticamente, mobilizado pela oposigco, que, na maioria dos casos, incluma o PMDB, o PDT e o PT. Aos poucos, a campanha se tornava festiva. Os commcios eram ordeiros, mostrando uma organizagco e disciplina que surpreendia inclusive os espectadores nacionais e estrangeiros. O entusiasmo popular, aliado ` sua ordem, faria com que a campanha fosse difmcil de ser desmoralizada pelos seus adversarios, se bem que os mesmos se empenharam bastante neste objetivo. O servigo de inteligjncia do exircito fotografou os commcios, dando especial atengco `s faixas que pediam a legalizagco do Partido Comunista, e fez circular as fotos no Planalto. "Mas passara o tempo em que estes estratagemas da comunidade de informagues desmantelavam os esforgos de organizagco e mobilizagco dos militares oposicionistas. A explosco do Riocentro foi o zltimo hurra com que foi saudada a desordem direitista patrocinada pelos militares". (Skidmore, 1989, p.469)

O caminho para a transigco democratica estaria condicionado `s eleigues indiretas para presidente. A emenda Dante de Oliveira, que propunha "diretas ja", em 25 de abril de 1984 nco foi aprovada por uma diferenga de 22 votos. Necessitava de 320 votos de um total de 479 congressistas para atingir a maioria de dois tergos, recebendo apenas 298. Destes votos, 55 eram de deputados do PDS, que votaram a favor, apesar da forte pressco dos lmderes do partido e do planalto. "A campanha chegara mais perto da vitsria do que alguim teria ousado prever um ano ou mesmo seis meses atras". (Skidmore, 1989, p.471) De fato, seus organizadores haviam promovido as maiores concentragues polmticas nunca antes vistas no pams.

Apesar dessa derrota, o PMDB demonstrava estar mais unificado. A partir dos meados de 1984, o candidato oposicionista mais falado nos quatro cantos do pams era Tancredo Neves, governador de Minas Gerais nessa ipoca. A significativa vitsria da oposigco em Minas Gerais garantiu a ele o papel de destaque nos debates e articulagues que visavam erradicar o governo militar. Sua habilidade conciliatsria, aliada ` proposta de mudanga gradual, sem rupturas imediatas, o levaria ` condigco de candidato, com amplo consenso das principais correntes oposicionistas, ` sucessco de Figueiredo. Tancredo tinha sido deputado federal durante as dicadas de 1960 e 1970, e tambim senador de 1978 a 1982. Assumiu, durante a sua carreira polmtica, trjs postos importantes - ministro da Justiga, entre 1953 e 54, durante a administragco do presidente Vargas; diretor do Banco do Brasil, entre 1956 e 58, durante a presidjncia de Juscelino; e primeiro-ministro, durante o parlamentarismo de Joco Goulart. Estava com 74 anos na ipoca, muitos o enxergavam como pai, e, como o primeiro presidente civil eleito desde o golpe de 1964, poderia unir a Nagco. De personalidade serena, sem nunca ter adotado opiniues enirgicas ou comportamento agressivo, Tancredo era o tipo consumado de polmtico.

As crmticas severas do ministro do Exircito desse permodo, Waldir Pires, conhecido no passado como um dos integrantes da linha dura, dirigidas aos polmticos da Frente Liberal "que haviam abandonado seus compromissos por um futuro que parece mais sedutor", e, tambim, os sinais de que um possmvel golpe estava em marcha, nco chegaram a impressionar Tancredo. Este ja havia tranquilizado os militares mais influentes de que nco tencionava retomar o pams ` fase anterior a 1964.

A czpula militar, que no inmcio da dicada de 1980 opinava que a oposigco nco deveria assumir a presidjncia antes de 1991, ja tinha perdido terreno nessas alturas dos acontecimentos. O candidato do governo alienou tantos delegados do seu partido, que eles desertaram do PDS para apoiar Tancredo. Este, por sua vez, uniu a oposigco, e habilmente incorporou em suas frentes os pedessistas desertores. Figueiredo decidira manter-se neutro, o que tambim acabou contribuindo para o fortalecimento de Tancredo. E, finalmente, apesar da derrota de Maluf, os militares consentiram na realizagco do pleito, desde que as regras fossem mantidas.

Assim, em 15 de janeiro de 1985, o coligio eleitoral elegeria Tancredo presidente e Josi Sarney, seu vice, por 480 votos de um total de 686. Maluf, por sua vez, receberia apenas 180. A composigco desses votos era reveladora: Tancredo obteve todos menos cinco dos 280 votos do PMDB; "recebeu, tambim, 166 votos do PDS, quase tanto quanto os 174 de Maluf. Foi uma vitsria de coalizco". (Skidmore, 1989, p.486)

D) A Narragco e a Informagco na Imprensa

Ati o presente momento se poderia concluir que a evolugco do fotojornalismo no Brasil nada mais i do que a prspria imagem do processo de modernizagco polmtica de nosso pams.

Os Senhores do Cafi e a Aristocracia Rural dos meados do siculo passado eram adeptos do Ancien Rigime, cultuavam padrues e valores adacjmicos, puramente arcaicos, anteriores ` Revolugco Francesa (1789), e por estarem "defasados", nco poderiam atribuir ` fotografia outro conceito que nco fosse meramente decorativo, timidamente ilustrativo, ou mesmo como instrumento de intervengco e persuasco da vida social de sua ipoca. Se na prspria Europa a nobreza, embora decadente e sem nenhum poder polmtico ou econtmico, ainda era o termtmetro do bom gosto e da beleza acadjmica, no Brasil a minoria agraria dominante nco poderia conceber as novas conquistas tecnolsgicas, como foi o caso da fotografia, como "mais uma invengco europiia maluca", isenta de qualquer valor artmstico, lingumstico ou mesmo cultural.

Este tipo de postura com relagco ` fotografia em geral, e particularmente ` fotografia de imprensa, adentrava siculo XX , mesmo com todos os sinais de fraqueza e com a ampla decadjncia apresentada pelo nosso regime oligarquico apss o tirmino da Primeira Grande Guerra.

Mesmo com a efervescjncia dos levantes e rebeliues ocorridos na dicada de 1920, para garantir a participagco da burguesia industrial ascendente, que somente seria consumada com o advento do Estado Novo, o fotojornalismo somente passaria a evidenciar sinais de grandes mudangas a partir do processo de democratizagco em 1945.

Essa defasagem entre as conquistas polmticas e conquistas na linguagem fotografica leva a crer que se por um lado a imagem fotografica i um instrumento de controle e intervengco social, por outro, ela nco i instrumento de formagco de opinico pzblica, mas apenas a condiciona, ja que segue atras dos movimentos polmticos e sociais, corrigindo-os, conforme a perspectiva de cada vemculo.

O processo de modernizagco mais avangado, que teve inmcio com Getzlio em 1951, foi de capital importbcia tambim para o fotojornalismo. Nesse contexto estariam implmcitas as condigues favoraveis e o momento ideal para o surgimento do Zltima Hora de Samuel Wainer, que incorporou no seu jornal as contribuigues do jornalismo norte-americano das dicadas de 1940-50.

O golpe militar de 1964 completou a toque de caixa o processo de modernizagco econtmica avangada, fazendo com que as instituigues polmticas fossem mudadas a reboque das exigjncias da polmtica econtmica, desconsiderando-se ainda mais do que no governo anterior as demandas da sociedade, particularmente aquelas dos grupos sociais e econtmicos mais fracos, e tambim desenvolvendo a indzstria cultural a todo o vapor para atender exclusivamente aos seus interesses. As redes de televisco, em especial a Rede Globo, foram privilegiadas nesse processo, o que conduzindo a fotografia a uma profunda reflexco lingumstica.

Todos estes fatores contribumram diretamente para que o fotojornalismo, no comego da dicada de 1980, comegasse a assimilar o macrossistema semistico, adquirindo uma percepgco cultural, e a detectar a rede de esteristipos sem se submeter, mas sensibilizando-se com as coordenadas ideolsgicas da comunidade de que a imprensa i transmissora. E surge o fotojornalismo nos manuais de redagco ja a partir de 1984.

Em 19 de abril de 1963, Herbert Levy (presidente da UDN, proprietario do Banco da Amirica, posteriormente absorvido pelo Itaz e um dos lmderes da ofensiva contra Goulart), com seus filhos, fundou a Editora Notmcias Populares, com o objetivo de conquistar o pzblico de Zltima Hora. Herbert Levy ja era proprietario da Gazeta Mercantil, remanescente jornal especializado em assuntos econtmico-financeiros, de pequena circulagco. Sua grafica passaria tambim a imprimir o Notmcias Populares.

Seu filho, Luiz Fernando Levy, ficou com a administragco a seu cargo, e o nzmero 1 saiu `s ruas em 15 de outubro de 1963. Em pouco tempo, a tiragem do jornal comegou a subir vertiginosamente, sucedendo naturalmente o Zltima Hora. Posteriormente, o Notmcias Populares passou a ser incorporado ` cadeia Frias-Caldeira.

Zltima Hora, que fora langado no Rio de Janeiro em 12 de junho de 1951, se instalara em Sco Paulo a partir de 18 de margo de 1952, patrocinado por Francisco Matarazzo, que era inimigo ferrenho de Chateaubriand e tinha todo o interesse de financiar um orgco que efetivamente concorresse com os Diarios Associados. No entanto, o Zltima Hora, desde o golpe militar de 1964, ja nco teria mais condicues de sobrevivjncia. Wainer partiu para Paris, exilado, em 18 de maio de 1964, onde permaneceu ati julho de 1968. A empresa se encontrava totalmente inviabilizada. A luta polmtica liquidara o porta-estandarte do populismo vanguardista. Como vemculo, conquistaria peso na Histsria do Brasil, o que seria irrecuperavel no permodo pss 1964. Em 1965, Wainer recebeu em Paris a proposta do grupo Frias-Caldeira para a compra de Zltima Hora. Como a empresa ja estava dando altmssimos prejumzos para Wainer, nco teve outra samda senco aceitar. Mesmo com a venda, o vemculo se encontrava tecnicamente falido, sendo substitumdo mais tarde pelo Notmcias Populares.

Assim, o Zltima Hora de Sco Paulo e o Notmcias Populares passariam a se integrar ` nova fase, acoplados ` cadeia Frias- Caldeira. Os tempos eram outros. As mesmas transformagues sociais que tinham levado ` crise do populismo criaram as condigues materiais que seriam o suporte de desenvolvimento de nossa Indzstria Cultural. A industrializagco encontrava-se praticamente completa no permodo de Juscelino, adquirindo uma dinbmica de acumulagco nitidamente monopolista. O novo ciclo de expansco, iniciado em 1967, encontraria no setor de bens duraveis seu apoio chave. Nessa etapa, a publicidade passaria a ter muita relevbncia, e seu desenvolvimento daria base ` formagco e sustentagco do mass media. De qualquer forma, aproveitando as oportunidades de mercado, oferecidas por vemculos em crise, como foi o caso de Zltima Hora e Notmcias Populares, que necessitavam de uma base empresarial mais adequada, o que a fammlia Levy nco estava interessada em desenvolver, o grupo Frias-Caldeira construiria, em pouco tempo, um impirio grafico e jornalmstico, que ja no comego dos anos 1970 controlaria sozinho quase que a metade do mercado jornalmstico de Sco Paulo.

Zltima Hora, ao longo de sua existjncia, se caracterizou por ser um produto combinado: teve ao mesmo tempo marcas de um jornal de causa polmtica e de um jornal da indzstria cultural. As condigues dessa combinagco foram possmveis, de um lado, pela intersecgco entre os recursos de sedugco popular do populismo getulista e as utilizadas pela indzstria cultural norte-americana visando a lucro; e de outro lado, pela importagco dessa tecnologia desenvolvida na esteira do capitalismo das grandes metrspoles que ja se encontravam na fase monopolista, antes que a tivissemos atingido.

Seu sucessor, Notmcias Populares, tambim se caracterizou por ser um produto originario do cruzamento de espicies diferentes. Expressco de um liberalismo oligarquico incapaz de reconhecer nas classes populares um interlocutor legmtimo, acentuou na esfera da mensagem, mais do que o Zltima Hora, fsrmulas basicas da Indzstria Cultural, com o objetivo de excluir aquelas classes da cena polmtica. Seu carater combinado deriva da tentativa de imitar o Zltima Hora pelo avesso, como meio de combatj-lo, conforme constataremos nas analises das fotos de primeira pagina no permodo da morte de Tancredo. Para este vemculo, a presenga das classes populares e seu envolvimento polmtico nesse momento de crise se resume em uma pequena foto, a menor de todas, apresentando um fragmento do cortejo com o carro dos bombeiros que levava o corpo evidenciado em primeiro plano, e "o povo em lagrimas" (legenda da respectiva foto) logo atras, recortado e inexpressivo, na edigco de 23.04.85. Para um vemculo que dedicou quatro edigues a este momento histsrico (de 24 a 26.04.85), essa "pequena atribuigco visual `s classes populares" nco i gratuita. Mesmo na edigco de 26.04.85, que pretende colocar um ponto final nesse assunto, o envolvimento popular volta a ser representado por uma minzscula foto no rodapi da primeira pagina, identificada com o tmtulo "Povo faz romaria ao tzmulo de Tancredo". Sua imagem nada mais i do que um pequeno grupo de polmticos bem vestidos, cuja imagem nada mais i do que uma foto de arquivo do sepultamento de Tancredo, privilegiando o ex-vice Josi Sarney, sua comitiva polmtica e elementos da alta czpula da Igreja. De carater tipicamente popular somente sobraram os coveiros no primeiro plano.

O carater tardio de capitalismo brasileiro expressou-se, assim, duplamente nesses jornais: a convivjncia no tempo cronolsgico, bem como os nexos em nmvel substantivo com o capitalismo maduro, permitiram a importagco de ticnicas da Indzstria Cultural pelo Zltima Hora, e por meio dele, o Notmcias Populares. E o espmrito oligarquico que emanou dos Barues do Cafi marcou tanto a concepgco populista de integragco subordinada das classes populares ao processo polmtico, que orientou a essjncia da mensagem escrita e visual de Zltima Hora, como, e mais ainda, a heranga liberal excludente, orientando a mensagem de Notmcias Populares.

Da mesma forma como ocorrera com Zltima Hora, a mensagem subordinou a empresa em Notmcias Populares. Por outro lado, sua estrutura empresarial foi bastante improvisada, especialmente quando se considera que este vemculo emergiu no momento em que o capitalismo ja adentrava em sua fase monopolista.

Mas nco se pode deixar de ponderer que foi a luta polmtica que gerou esses vemculos. Foi tambim em fungco dela que se determinou a mensagem de ambos. E nco devemos esquecer que foi em fungco dessa luta que Zltima Hora sofreu boicote econtmico, e que a fammlia Levy, formada por capitalistas bem sucedidos em diversos setores, deu a Notmcias Populares uma organizagco empresarial tco mal acabada e perdeu o interesse assim que se consumou o golpe de 1964, apesar do vemculo "estar fazendo grande sucesso de vendas". (Goldenstein, 1987, p.154) Nesses tempos, se pode concluir que foi a lsgica da polmtica que comandou o destino de Zltima Hora e Notmcias Populares, e a essa lsgica se subordinaram as demais caractermsticas. Suas mensagens, a partir de agora, estariam subordinadas ` empresa, e seriam simplesmente incorporadas como mercadoria. Passaram a ter nco somente a tecnologia mas tambim a lsgica de interesses de mercado da Indzstria Cultural.

Esses dados relativos ao Notmcias Populares foram constatados durante o prsprio permodo da morte de Tancredo. A campanha das "diretas ja" e a hospitalizagco de Tancredo Neves atingiram as maiores concentragues populares jamais vistas no Brasil. As expectativas do pzblico tinham sido estimuladas pela campanha da oposigco e pela "aura" de confianga que seu candidato despertava, tanto que o Brasil entrou em choque quando soube do seu grave problema de sazde. Na vispera de sua posse, Tancredo nco ptde mais suportar as dores de uma complicagco intestinal que o acompanhava ja por um bom tempo, sendo internado no Hospital de Base em Brasmlia, e posteriormente transferido para o Instituto do Coragco, em Sco Paulo. A doenga de Tancredo prolongava-se e o pzblico ficava mais preocupado, ja que o governo provissrio de Sarney nco tinha condigues de corresponder `s suas expectativas.

As herangas do liberalismo oligarquico que exclui a participagco popular do cenario polmtico ja estavam presentes na hospitalizagco de Tancredo, onde os fatos eram interpretados a distbncia e sem maiores envolvimentos. Com o prolongamento da doenga, a confianga inicial dada aos midicos iria se tornando falsa. Mais complicagues iam surgindo. Notmcias Populares, em suas edigues, insinuava que o primeiro diagnsstico dos midicos fora errado, ou deliberadamente enganoso, ou talvez ainda era um caso de incompetjncia. Essa postura ficaria mais evidente na vispera da morte, quando o vemculo publicava, na primeira dobra de sua primeira pagina, a manchete em trocadilho "Midico Americano quer Tancredo mais Gelado", aproveitando a opinico do Dr. Warren Zapol de "que a temperatura do corpo do presidente tem que abaixar ati 30oC" (legenda da foto publicada), insinuando que o bnimo das multidues estava muito exaltado e que deveria esfriar. Este discurso i reforgado pela prspria fotografia que, logo abaixo da manchete, no lado esquerdo da primeira dobra, em proporgues normais, mostra a crise do poder representada pela chegada do Dr. Zapol, no interior de seu vemculo, sorridente, vindo especialmente para assistir o presidente. A foto de primeira pagina foi tomada no eixo da cbmera, denotando que mesmo de nacionalidade norte-americana, o midico i amigo, pois esta em nmvel de igualdade com os leitores, e seu sorriso denota que nco ha nada com que se preocupar.

O carater combinado de Notmcias Populares, resultado das tentativas de imitar o Zltima Hora pelo avesso, como meio de combatj-lo, ainda se encontra presente no vemculo, mesmo na edigco da morte de Tancredo. Se, nas edigues anteriores, a perspectiva do jornal era a de condicionar a opinico pzblica, afirmando que apesar de todos os incidentes a doenga de Tancredo estava sob controle, mesmo com a incompetjncia midica, veiculando imagens curiosas do pzblico concentrado em frente ao Incor, no dia da morte Notmcias Populares visualizou o poder de cima para baixo, sem excegues. A primeira pagina foi dedicada exclusivamente ` fotografia. Mesmo a foto de arquivo, onde Tancredo aparece com Getzlio, tambim i vista de cima para baixo, inclusive o povo acompanhando o cortejo, cuja foto, em nmvel de proporgues, se encontra em grande desvantagem das demais, reduzindo tudo e todos ` mesma condigco.

A empatia popular somente estaria evidente nesse momento de crise em Notmcias Populares a partir da edigco de 24.04.85, imediatamente posterior ` morte de Tancredo, representada pela imagem da vizva, Dna. Risoleta. Nesse dia, o jornal apresentou aos leitores sua imagem tomada no eixo da cbmera, colocando-a em nmvel de igualdade. Na edigco seguinte, 25.04.85, a imagem de Tancredo desce ainda mais e a de Dna. Risoleta, em contra- partida, comegu a subir. Apesar de deixar transparecer as suas tendjncias anti-populistas, e de excludjncia da participagco popular, nesse dia o vemculo esta em perfeita sintonia com a edigco da Folha de S. Paulo, que tambim utiliza exatamente os mesmos recursos para representar a crise do poder em sua edigco de 25.04.85. Notamos, assim, que a lsgica da indzstria cultural em assegurar o mercado de leitores ja conquistados nco pode ser arriscada, e que, em zltima instbncia, os pequenos vemculos do Grupo Folhas, nos momentos de crise, devem incorpora-la.

Com excegco da edigco do dia da morte, 23.04.85, o Notmcias Populares nco deixou de considerar a sua pauta do dia a dia, ainda que veiculada em menor destaque. Este tipo de conduta tambim esta em plena harmonia com a Folha de S. Paulo, embora os outros acontecimentos do dia sejam veiculados textualmente, ora no rodapi, ora nas laterais da segunda dobra da primeira pagina, sem imagens, confirmando, mais uma vez a sua subordinagco perante a linha editorial do Grupo Folhas.

A partir de 26.04.85, em estreita sintonia com a Folha de S. Paulo, Notmcias Populares retoma sua normalidade, reduzindo a tematica dessa crise a uma nota de pi de pagina, no canto esquerdo, devidamente ilustrada com uma foto de arquivo, evidenciando Sarney e sua comitiva durante o sepultamento de Tancredo, cujo contezdo ja foi analisado.

A fammlia Levy, ao criar o Notmcias Populares, ja tinha percebido que de todas as classes ditas populares, somente os mais afortunados que eram semi-alfabetizados conseguiam empregar-se no setor formal, cobertos por um salario mmnimo e, portanto, pelo sistema previdenciario. Estes trabalhadores, na realidade, seriam responsaveis pela formagco da base natural para um movimento sindical urbano. Eram considerados a "elite popular", que tinha o priviligio de consumir regularmente os jornais sensacionalistas e contava com grande influjncia dentro de seus segmentos sociais. Foi justamente para esta minoria privilegiada que a fammlia Levy concebeu o Notmcias Populares, utilizando o pretexto de roubar o pzblico do Zltima Hora, que, naquela ipoca, se encontrava irremediavelmente falido. Na realidade, o que Herbert Levy, presidente da UDN e lmder da ofensiva contra Goulart, pretendia, era criar uma espicie de contraponto para os movimentos de esquerda, pois acreditava que as classes trabalhadoras eram completamente desprevenidas e desorientadas no que tange ` formagco de opinico, e vemculos populistas como Zltima Hora jogavam idiias, distorciam os fatos e tinham pleno dommnio na opinico de seus leitores.

Com o golpe de 1964 e o governo Goulart finalmente derrubado, as classes populares estavam sob controle e, bem ou mal, a missco polmtica de Notmcias Populares estava cumprida, sendo incorporada pelo grupo Frias-Caldeira. Apesar de pertencer a um novo grupo, e objetivar novos rumos, pudemos constatar que, no permodo da morte de Tancredo, ainda apresentava remanescjncias da UDN no sentido de nco atribuir ` polmtica o mesmo valor e atengco que sempre foram dados aos outros temas.



-- Enio Leite (focus@focusfoto.com.br), February 19, 2000


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