Tese sobre Fotojornalismo PG11

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E) A Folha: Um Jornal em Busca do Sucesso

A Folha de S.Paulo, por sua vez, adentrava os anos de 1960 com grandes problemas financeiros, acentuados pela inflagco da ipoca. A esclerose administrativa tornava a Folha um vemculo precocemente envelhecido, contrastando com a iniciativa em que o capitalismo financeiro emergia. E com uma intervengco polmtica muito tmmida, justamente num momento muito especmfico da histsria, quando as ideologias fervilhavam.

O grupo Frias-Caldeira adquiriu, em 1962, a empresa jornalmstica nessas condigues. Octavio Frias de Oliveira era proveniente do capitalismo financeiro, e Carlos Caldeira Filho da construgco civil, dois setores de grande influjncia nacional, que se associavam para administrar e coordenar a Folha. A ma situagco financeiro-administrativa, aliada `s dificuldades internas resultantes das greves do ano anterior e `s progressivas dificuldades de venda dos exemplares, demandava uma enirgica e imediata reformulagco da empresa, executada em trjs etapas, como de pode constatar atravis do tempo, segundo os levantamentos de Carlos Guilherme Mota e Maria Helena Capelato: (Mota & Capelato, 1980, p.188)

- 1962/1967: reorganizagco financeiro-administrativa e ideolsgica.

- 1968/1974: a "revolugco tecnolsgica.

- 1974/1981: definigco de um projeto polmtico-cultural.

O discurso dominante passou a ser o da modernizagco. O vemculo lentamente se libertava da estagnagco do final do permodo anterior, assumindo o discurso do progresso e da revitalizagco. O liberalismo da Folha se tornava vismvel com novas maquinas, novas frotas, novas relagues de trabalho no interior da empresa e a nova fala jornalmstica. Entretanto, do lado de fora, o Brasil fervia em diregco ao golpe de 1964, deixando entrever os estreitos limites desse liberalismo.

Se, por um lado, o vemculo, ja em 1963, registrava um grande aumento de anunciantes e de leitores de venda avulsa diaria e, segundo as constatagues de Mota e Capelato, "se transformara no jornal de maior circulagco paga do Brasil", a Folha desse permodo nco melhorou muito a qualidade dos seus noticiarios, ou editoriais, e mesmo a das fotografias de primeira pagina, bem como das paginas internas. As alteragues substanciais vco ser notadas no setor administrativo. Os novos servigos de distribuigco revitalizaram toda a empresa em sintonia com a nova maquinaria, respondendo pelo maior rendimento do conjunto. A mecanizagco de parte dos servigos burocraticos tambim propiciaria o impulso entco verificado, o que tambim acarretaria na renovagco das ticnicas jornalmsticas. Dessa forma, a empresa se integrava, conscientemente, no compasso do desenvolvimento reformista, embora nco ponderasse a importbncia da linguagem fotografica ainda nesse permodo. O discurso fotografico na imprensa, sempre esteve subordinado ao discurso textual. Enquanto este nco tivesse atingido a sua plena maturidade dentro do contexto de "produto cultural industrializado", a fotografia, por sua vez, nco teria condigues de emergir.

O desenvolvimento reformista da Folha vinha seguindo seu curso com todo o vapor ati o advento do golpe militar de 1964. O pams, na ipoca com 80 milhues de habitantes, seria sacudido de seu sonho reformista: Goulart seria apeado do poder e a Folha tambim nco escaparia das malhas do autoritarismo. Seus editoriais chegaram a ser suspensos em fungco das pressues recebidas do Estado militarista, apesar de ter apoiado o movimento nos primeiros momentos, pois sempre defendeu suas posigues antipopulistas e antijanguistas. A ideologia do "jornal novo", sincronizada com o processo de modernizagco, caracterizada pelo reformismo desenvolvimentista da ipoca, se encerrava justamente com o advento do golpe militar.

Nas perspectivas da ipoca, para muitos segmentos da sociedade, adotar uma orientagco liberal e democratica ja denotava casamento com o conservadorismo. Nco teria sido por acaso que, ao adotar essa filosofia, a Folha se via obrigada a frisar a inexistjncia de "facciosismo de qualquer espicie", como se estivesse desconfiando da prspria ideologia assumida. Mas, de qualquer maneira, como pudemos constatar nas fotos de primeira pagina do permodo da morte de Getzlio, o jornal oferecia ponderavel contraste com os jornais mais conservadores, igualmente autoproclamados como liberais. Entre os outros vemculos mais populares, figuravam o Zltima Hora, que no decorrer do tempo cedeu espago para um vemculo de inspiragco nitidamente direitista e neutralizadora dos movimentos populares, e o Notmcias Populares, que em smntese foi resultado do sonho de uma repzblica sindicalista que nco soube avaliar o poder da direita no pams.

Nessas condigues a Folha procurava o equilmbrio entre os dois focos extremos: o populismo reformista, representado pelo PTB, e o liberalismo oligarquico, representado primeiramente pela UDN e depois pelo PSD. Com isso, conquistaria a fidelidade de um mercado de leitores oriundos da classe midia, fidelidade difmcil no princmpio, mas segura no final da dicada de 1960. O jornal a todo o custo, procurava ser liberal, palavra que estaria enfatizada no Suplemento 1964 sob o tmtulo "O Brasil Continua". Era informativo, querendo tambim ser formativo, veiculando assuntos ligados ` pesquisa cientmfica e ao ensino. Alim do caderno noticioso, principal, juntava-se outro, de natureza eclitica e variada. A sua filosofia liberal nco estaria limitada ` informagco, mas sim ` formagco de uma opinico pzblica.

Porim, o Ato Institucional n. 2, de 27 de outubro de 1965, assinado pelo entco presidente Castelo Branco, eliminava o espago crmtico em que a Folha se propunha a operar. Esse ato deixava explmcito o cerceamento ` liberdade de expressco, denotando a partir dam que tudo passava a ser considerado "propaganda de subversco". Alim disso, quebrava-se uma tradigco ao se extinguir o jzri de imprensa. O julgamento popular era assim eliminado, os abusos de liberdade de imprensa sendo agora controlados por um juiz singular e mais rigoroso, que, na realidade, representava os donos do poder. A independjncia relativa e a postura liberal e democratica da Folha, serco muito abalada durante esse permodo. De qualquer maneira, a empresa nco se arriscava a ir alim de um leve reformismo liberal, protestando de maneira um pouco mais agressiva contra a expulsco dos professores da Universidade de Sco Paulo, mas adotando o siljncio tatico com relagco aos destemperos da nova czpula militar.

No permodo seguinte, de 1968 a 1974, a empresa passaria por uma grande revolugco tecnolsgica. O grande salto do parque grafico do vemculo foi langado a partir da total reestruturagco do sistema de distribuigco do jornal, que era muito precaria no inmcio dos anos de 1960. A distribuigco dos jornais, que antes era feita para o interior do Estado e outras cidades por meio de trens e algumas linhas de tnibus, dependendo, portanto, de seus respectivos horarios, com a aquisigco da nova frota, tornou-se mais dinbmica. Os jornais, agora, conseguiam penetrar nas cidades satilites do interior do Estado de Sco Paulo, e a partir dali, serem distribumdos para os pontos vizinhos com o auxmlio dos trens e meios de transporte local. Assim, os exemplares que anteriormente chegavam a Presidente Prudente, por exemplo, por volta das 16 ou 18 hs, com a nova dinbmica atingiam estes mesmos pontos ja `s 5:30.

A partir dos primeiros dias de 1968, a Folha de S. Paulo comegava a ser parcialmente impressa pelo sistema offset, sendo um dos primeiros jornais do mundo ocidental de grande tiragem a adotar esse tipo de impressco. O salto tecnolsgico residiu na passagem para o sistema eletrtnico de fotocomposigco. Alim da Folha de S. Paulo, ainda era possmvel "compor mais nove jornais, operando em apenas 12 horas". (Mota & Capelato, 1980, p.202)

As inovagues tecnolsgicas continuariam a seguir seu curso. Em seguida, viria a fotocomposigco, introduzida em 1973 pelos novos equipamentos que ljem diretamente os originais datilografados em IBM Compuscan OCR, e pelo Video Setter, fotocomponedora de terceira geragco, com capacidade para produzir 500 linhas por minuto. A fotocompisigco, por sua vez, evoluiu para as Compugraphic 8600, com velocidade de produgco de 650 linhas por minuto, passando depois para o sistema Optical Character Reader, de leitura sptica, Compuscan, que nco somente lia as laudas ja datilografadas em IBM-OCR, mas tambim inseria corregues e outros dados. Com todas essas inovagues, a remessa se automatiza por completo, da maquina de escrever ao caminhco.

Em smntese, o negscio de Frias-Caldeira dera certo. A empresa cescera, e a melhor distribuigco do jornal criou condigues para melhor capitalizagco e para o salto tecnolsgico. A autonomia financeira ja era uma realidade, mas a independjncia polmtica ainda estava subordinada ao estado militarista. A partir de dezembro de 1968, o cenario polmtico e das liberdades democraticas mudaria ainda mais. O regime militar, a partir desse momento, transformara-se em ditadura indisfargada. O espago crmtico que a Folha de S. Paulo procurava abrir com os outros segmentos da burguesia liberal e das classes logo abaixo dessa entrou em recessco. O vemculo, que se autopromovia como "pioneiro da nova era do jornalismo", e "resultado dos esforgos da iniciativa privada", aproveitando o clima de toque de caixa que completou o processo de modernizagco avangada do pams, passaria a oferecer em suas edigues diarias o que ia um pouco alim do mero relato dos fatos. Passaria a tomar conscijncia da sua importbncia na contribuigco de equacionamentos dos problemas basicos e fundamentais de uma grande metrspole, ampliando tambim seus servigos de informagco internacional com o acordo com o jornal francjs Le Monde, no sentido de consolidar seu Caderno Especial, e com outras agjncias de notmcias.

Mas a conduta de ir um pouco mais alim dos relatos dos fatos ja era mais do que suficiente para irritar a czpula militar, que coordenou um dos piores regimes jamais vistos pela Histsria do Brasil. Sob certos aspectos, a Folha se converteu em vemculo de oposigco, e durante o governo Midici chegou a interromper a publicagco de seus editoriais, por nco poder expressar claramente as suas idiias. Apesar de sua linha liberal nco agradar os militares, foi tambim combatida pelos segmentos da esquerda radicalizada, sendo alvo de fogo cruzado. Nessa altura, houve constantes transformagues nas chefias e comandos da redagco, que deixaram transparecer os combates internos resultantes das dificuldades de confrontagco na conjuntura polmtica. No entanto, vale a pena ressaltar que esse permodo foi extremamente firtil para a definigco de algumas teses que viriam a indicar melhor os horizontes ideolsgicos do jornal.

A sociedade civil, palavra de ordem das primeiras paginas do jornal, ja tinha um objetivo muito bem definido - iniciar suas manifestagues em defesa do Estado de Direito. Os setores mais influentes da sociedade, como a CNBB, as Pontifmcias Comissues de Justiga e Paz, a OAB, a SBPC, os sindicatos de jornalistas profissionais, passariam a questionar de modo mais saliente a ordem ditatorial implantada sob o AI-5, tendo a Folha incorporado e veiculado, sistematicamente, estas manifestagues.

De qualquer forma, como ja se disse, a administragco Geisel- Golbery ja indicava luz `s trevas do governo anterior. E a Folha passaria a encarar essa proposta, sem saber exatamente por onde passava a linha dessa "abertura relativa".

Por outro lado, devemos ponderar que a partir de 1974 o vemculo passa a contar com a crescente participagco de Octavio Frias Filho, secretario do Conselho Editorial desde 1978, que passava a representar a nova expressco do liberalismo democratico que a revitalizava no lento compasso da distensco. Esta filosofia "Neoliberalista" do vemculo se traduzia em uma lenta busca de um modelo mais independente, noticiando, comentando e animando a atuagco de instituigues como a OAB, SBPC, CNBB e outras. Como a linha da censura era indefinida, a relagco das matirias e temas proibidos sendo ditada por telefone, o jornal teve que tatear longamente ati conseguir um espago. Nco havia censores in loco, e, assim, aumentava a responsabilidade da empresa jornalmstica em casos de eventuais transgressues.

Diante de todo este processo de avangos e recuos na luta pela abertura de novas pautas, a Folha de S. Paulo, aos poucos, ia se tornando o grande jornal da classe midia brasileira. Esta classe passa a se identificar com ele na medida em que a Folha incorpora seu discurso, defende seus direitos, e procura transmitir a visco do cidadco. Mas a atuagco da Folha, nco se limita apenas a esta classe, atingindo tambim outras classes sociais . Alim disso, o jornal procura abrigar a visco do empresariado classificado como lzcido, moderno e democratico nas suas relagues de trabalho. Estas caractermsticas estariam muito bem evidenciadas nas fotos de primeira pagina, no permodo da morte de Tancredo, deixando transparecer suas evolugues e conquistas desde de 24 de agosto de 1954.

Alim de privilegiar a presenga dos segmentos midios da sociedade nos momentos de crise polmtica demarcados pela morte de Tancredo, a Folha tambim se voltou para a classe estudantil e para os jovens em geral. Esta forma de conduta ja vinha se manifestando no prsprio vemculo desde 1976, e com um discreto grau ` esquerda nos marcos da grande imprensa burguesa. A morte de Herzog em 1976, e o caso Diafiria em 1977, foram de capital importbncia para delinear o perfil do jornal e, consequentemente, para reformular o seu discurso sobre a "nova sociedade civil".

Na realidade, as preocupagues do vemculo com relagco ` classe midia tambim foram incorporadas na visco da "nova sociedade civil". A partir dam, a conduta da Folha em relagco nco ss aos artigos, mas tambim ` prspria imagem fotografica, passa a ser mais democratizante, nacionalizante, fiscalista, e de alguma forma, um pouco flutuante. Nesse contexto, a classe midia constituiu o nzcleo difusor de ideologias, a linha mediana do aspirado regime democratico, o divisor de aguas, o centro gravitacional dessa nova sociedade civil, que estara macigamente presente nas fotos das edigues imediatamente posteriores ` morte de Tancredo. E isso, em grande parte, justifica a sua classica postura para as crmticas antioligarquicas e antipopulistas. A "universalidade" da classe midia a erige em pedra de toque da aspirada nova ordem, nesse difmcil projeto de auto-referenciagco da Folha de S. Paulo. A imagem fotografica por sua vez, sempre foi objeto de culto da classe midia. Nesse aspecto, a editoria da Folha soube incorporar em suas paginas esse novo valor que entretanto, permaneceu subordinado ao texto jornalmstico.

Nco sendo instrumento de expressco das minorias privilegiadas, o jornal adquiriu o carater de "frente ampla", algo que "flutuava", conforme a conjuntura. E esse carater ainda estaria presente no permodo da morte de Tancredo. Na sua edigco de 22.04.1985, a veiculagco da morte de Tancredo Neves i feita de maneira muito fria, sem o menor envolvimento, conforme se pode constatar tanto nas fotos de primeira pagina, como nas suas manchetes, tmtulos e textos. Somente a partir da edigco seguinte, 23.04.1985, o vemculo passaria a transmitir a visco de seus leitores.

Mais do que um momento de crise polmtica, a morte de Tancredo foi representada pelas fotos de primeira pagina da Folha como final de um ciclo iniciado com as especulagues distensionistas de 1974, para a discussco sistematica do inmcio dos anos de 1980, propondo a formulagco de uma nova ordem democratica, que sugeria ` sociedade civil a revisco da questco da legitimidade do sistema de poder. Nesse contexto, o movimento pelas "diretas ja" foi amplamente apoiado pelo vemculo, bem como a vitsria, no Coligio Eleitoral, de Tancredo Neves, que por pouco nco conseguiu assumir a presidjncia do pams.

A Folha, enquanto grande imprensa, tambim esta inserida no modelo autocrmtico-burgujs. E as contradigues da imprensa burguesa se avolumam e se explicitam por meio da linguagem escrita e fotografica que veiculam os debates sobre a transigco de um modelo fechado de regime polmtico para um modelo mais aberto. E, ja que a fotografia possui a caractermstica de assimilagco imediata da sua mensagem pelo pzblico leitor, esta passa a ser mais privilegiada durante esse processo transitsrio. A Folha, em larga medida, representa o limite maximo e as contradigues dessa conscijncia burguesa no Brasil contemporbneo - seja em termos de crmticas contundentes ao regime fechado, seja em termos de organizagco interna e verticalista, seja ainda em termos de capacidade da similagco da diferenga, dos antagonismos, em nome da liberdade de imprensa. Essas caractermsticas nco ss estavam dando seus primeiros passos nos meados da dicada de 1950, deixando-se transparecer nas fotos de primeira pagina, no permodo da morte de Getzlio, como ja se encontravam totalmente solidificadas no permodo da morte de Tancredo, conforme revelam as fotos de primeira pagina dessa nova crise polmtica.

As mudancas quanto ao uso da linguagem fotografica sco radicais. Na Folha, a fotografia de primeira pagina i diferenciada desde o primeiro momento, como se pode constatar na edigco imediatamente anterior ` morte de Tancredo. A foto selecionada para essa edigco, 21.04.1985, i a imagem dos Drs. Pinotti e Zapol, centralizada em destaque na primeira dobra e registrada de baixo para cima, deixando transparecer que, apesar da doenga, a imagem do poder ainda esta em alta.

Mas este discurso visual i logo interrompido na edigco seguinte, de 22.04.1985. Apoiado pelas manchetes: "Tancredo esta Morto; Corpo i velado no Planalto; Sarney reafirma Mudangas", tudo passou a ser visualizado de cima para baixo. A Folha, nesta edigco, manteve a sua classica postura de distanciamento e frieza, na mesma intensidade, gjnero e grau, em relagco ao suicmdio de Vargas. Os recursos visuais, como a efmgie de Vargas e a foto da aglutinagco de jornalistas querendo mais detalhes do suicmdio, sco novamente repetidos com a morte de Tancredo. Mas, i a partir das edigues seguintes, conforme mencionamos antes, que as fotos de primeira pagina vco deixar transparecer a adesco do vemculo ` emotividade coletiva. Os mesmos cuidados que o jornal tomara na morte de Vargas, para garantir a sua conduta antioligarquica e antipopulista naquele momento de crise polmtica, tambim sco mantidos a todo custo na morte de Tancredo, nos primeiros instantes. No caso especmfico de Tancredo, os espagos dedicados `s imagens na primeira pagina foram bem maiores. A adesco do vemculo i bem mais ampla do que em relagco a Vargas, dada a empatia do vemculo com o movimento de redemocratizagco e com o prsprio futuro presidente. Contudo, a sua postura nesse novo momento de crise ainda i um pouco reservada. As imagens relativas ` visitagco do corpo e ` multidco que acompanha o cortejo, edigco de 23.04.1985, sco tomadas a distbncia, com teleobjetiva, de cima para baixo. Em contrapartida, na edigco relativa a Vargas, o vemculo tambim se preocupou em visualizar a amplitude das repercussues por parte da populagco. Na edigco de 23.04.1985, o fotojornalismo de primeira pagina estava sensivelmente descaracterizado, passando a redundar em imagens de dommnio pzblico, ja desgastadas pela televisco.

A Folha, e a imprensa de maneira geral, levaria algum tempo durante os dois momentos de crise, para "enveredar" na sua conduta editorial, no sentido de resgatar, a seu modo, a visco popular. Nos dois casos, i facil constatar que o poder, enquanto vivo, se encontra muito bem diferenciado da populagco. Depois de morto, esse mesmo poder, ja sem fungco polmtica passa a ser entregue ao povo, guardico de seu patriarca, que sepulta nco sco corpo, mas tambim o seu regime e as expectativas populares. Esta cena, constante nos dois momentos, reflete o paternalismo que sempre marcou a relagco de poder em nosso pams. Este fato i mais perceptmvel na Folha. A visco popular ss i resgatada apss o sepultamento de Tancredo, conforme demonstram as primeiras paginas das edigues de 24 e 25.04.85. Este ritual de devolver o presidente morto ao seio do povo, "ps is, ps voltaras a ser", em smntese reflete a conduta catslica inserida na conduta polmtica brasileira. Os presidentes sco canonizados, sendo inclusive comparados a Tiradentes, havendo, portanto, uma interagco entre o ciclo polmtico e o ciclo biolsgico.

A visco popular interpretada pela Folha em todas as edigues nada mais i do que multidues recortadas, sempre visualizadas de cima para baixo, como fragmento de uma massa uniforme, onde nco se pode identificar suas reagues. O znico segmento social privilegiado aparece na edigco de 25.04.1985, na parte superior direita da primeira dobra, onde Dna. Risoleta aparece em companhia de seus parentes mais prsximos e da czpula polmtica. Tais atitudes confirmam o grau de atrelamento do vemculo em relagco aos mais diversos segmentos da burguesia liberal e das classes imediatamente abaixo destes.

Examinemos agora como a fotografia de primeira pagina foi utilizada pelo O Estado de S. Paulo no permodo da morte de Tancredo. Nesses dois momentos de crise polmtica, O Estado foi o znico vemculo a colocar nas ruas sua edigco extra. Tal fato ocorrera porque essa edigco samra em uma segunda-feira, dia 22.04.1985, quando o vemculo normalmente nco circula, sendo esse espago preenchido pelo Jornal da Tarde. O JT desse dia nco circulou, mas deixou estampada a sua marca em todas as fotos de primeira pagina de O Estado desse permodo: fotos de pagina inteira e de meia pagina, com enormes manchetes. Para um vemculo conservador e tradicionalista, que mesmo na vispera da morte de Tancredo dedicava pequenos espagos ` fotografia, essa mudanga repentina de conduta ja pode ser considerada como uma conquista. Porim, a mensagem fotografica estaria muito defasada em relagco aos outros jornais do mesmo permodo, transparecendo a sua tendjncia oligarquica e tradicionalista de excluir por completo qualquer referjncia ` participagco popular. Na edigco da morte de Tancredo, 22.04.1985, o vemculo publicou a foto de sua efmgie em pagina inteira, e nas edigues seguintes, privilegiaria somente Dna. Risoleta e seus faimilares, resgatando a visco popular apenas em sua zltima edigco dedicada ` crise, de 26.04.1985, na qual esta i representada por poucos populares, nco mais do que cinco pessoas que visitaram o tzmulo do presidente.

O momento de crise nco ss deixou O Estado de S. Paulo sem palavras, como tambim evidenciou que o poder editorial dessa empresa sempre esteve basicamente nas mcos das minorias mais conservadoras, que sempre conceberam a fotografia de imprensa como um acesssrio inferior, um elemento meramente ilustrativo sem qualquer autonomia. A empatia do vemculo se resumiu unicamente na pessoa de Tancredo, e nco no processo histsrico que o evidenciou.

A Folha de S. Paulo dedicou seis edigues ` morte de Tancredo, de 21 a 26.04.1985, contra trjs edigues da Folha da Manhc durante a morte de Getzlio, de 24 a 27.08.54, evidenciando a sua conduta antipopulista e seu esforgo de influenciar as elites pensantes de nosso pams para a retomada do amplo processo democratico. A Folha, foi o jornal paulistano que soube explorar fotograficamente os aspectos mais relevantes da imagem de tancredo. Negando a vertente populista e, ao mesmo tempo atribuindo ` imagem fotografica o tratamento tmpico do texto jornalmstico, percebe-se que esta nova conduta fotografica ja estava presente desde a ipoca da candidatura de Tancredo ao Coligio Eleitoral. Mesmo com a postura fria e distanciada resultante do impacto de sua morte, a Folha durante o permodo anterior se entregou de corpo e alma na luta pela retomada da democracia, via Tancredo, envolvendo-se com maior profundidade em relagco aos outros permodos. Neste zltimo em particular, adotou uma postura equilibrada, racional e sem apelar para a emotividade, ao contrario dos outros jornais que cubriram o mesmo evento.

O Estado de S. Paulo, por sua vez, dedicou tambim seis edigues ao permodo da morte de Tancredo, de 21 a 26.04.1985, contra duas edigues do permodo relativo a Getzlio, deixando transparecer a sua empatia pessoal pelo primeiro, contra a aversco pelo segundo.

O Notmcias Populares atribuiu cinco edigues a Tancredo, de 22 a 26.04.1985, contra as oito edigues de Zltima Hora, no permodo referente a Getzlio, de 23 a 30.08.1954. O discurso populista de Wainer e o resgate da visco popular interpretado sob a sua _ tica estariam totalmente ausentes no Notmcias Populares que, desde o primeiro exemplar, sempre procurou imitar seu fundador pelo avesso, com o znico objetivo de neutralizar seu discurso. Mesmo pertencendo a uma das maiores empresas jornalmsticas do pams, o Notmcias Populares, mesmo durante a morte de Tancredo, ainda conservou as suas herangas da extinta UDN, e ofereceu `s classes populares tudo o que elas pretendiam, menos tempero polmtico

-- Enio Leite (focus@focusfoto.com.br), February 19, 2000


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